Leio com atenção o livro SONHOS de Ana Miranda. É uma obra bem interessante. Nos anos 70 Ana Miranda costumava anotar num caderno todos os seus sonhos. Quando acordava ela escrevia tudo o que tinha sonhado. Ao longo do tempo os vários cadernos se perderam menos um, que relata os seus sonhos no período de dezembro de 72 a março de 76. Esse caderno de sonhos que sobrou ela publicou num livro editado pela Dantes. É um livro fascinante e perturbador.
Sonho de Ana Miranda, em 21 de dezembro de 1972 Um homem arromba um cofre, com uma mulher sentada em seu colo. Ela admira um anel de brilhante em seu próprio dedo. Usa óculos escuros, tem cabelos louros e veste roupa estampada. Quando me vêem, os dois param o que faziam e ficam me olhando, assustados.
Eu lhes digo que não posso condena-los pelo que fazem. Mas eles devem fazer escondido, para que eu não veja. Eles continuam a arrombar o cofre, e tiram dali as minhas jóias. Eram as jóias da minha mãe. Eu choro.
Eu sou fascinado pelo mundo dos sonhos. Sonho diariamente. Outro dia tive um sonho curioso. Sonhei que eu estava na platéia de um show, assistindo com atenção alguém que cantava a música Trem das Onze do Adoniran Barbosa. Eu escuto a música sem conseguir ver o cantor por que tem muita gente na platéia. De repente consigo ver quem está cantando. E esse alguém sou eu.
Não posso ficar / nem mais um minuto com você / sinto muito amor / mas não pode ser... / Moro em Jaçanã / se eu perder este trem / que sai agora às onze horas / só amanhã de manhã / e além disso mulher / tem outra coisa / minha mãe não dorme enquanto eu não chegar / sou filho único / tenho a minha casa p’ ra olhar...
Trem das Onze é uma música que me transporta à infância. Eu me lembro exatamente do momento em que ouvi essa música pela primeira vez, na versão original com o conjunto Demônios da Garoa. Foi numa oficina de automóveis. Eu devia ter quatro ou cinco anos. Talvez menos. Meu pai tinha levado o automóvel para consertar na oficina. Enquanto o mecânico mexia no motor eu fiquei brincando dentro do carro e o rádio estava ligado. Enquanto eu brincava, aquela música entrava pelos meus ouvidos. Eu parei para prestar atenção aos versos da música. Naquele momento um sentimento muito forte se apoderou de mim, ainda criança. Fiquei emocionado. Comovido. Principalmente com o trecho que dizia: e além disso mulher, tem outra coisa, minha mãe não dorme enquanto eu não chegar. Eu era uma criança, uma pura e ingênua criança, mas meu coração ficou particularmente marcado por aqueles versos. Tenho certeza que foi por isso que sonhei com essa música tantos anos depois.