ATRÁS DO TRIO ELÉTRICO
Você sente uma imensa vontade de pular. Não se importa se está suado, fedido, com o cabelo zoado. Não se importa se o chão tá sujo e não pensa duas vezes em ajoelhar nele ou até deitar. Todas as músicas são as suas preferidas. Você chora de alegria quando o trio começa a tocar e chora de tristeza quando acaba. Qualquer esbarrão com outra pessoa já é motivo para abraçá-la e sair pulando na avenida. Você sente uma vontade imensa de sorrir, dar risada. Sente que você é a pessoa mais feliz do mundo. Seus problemas são deixados para fora da corda. Pois é, bem-vindo ao trio elétrico. Bem-vindo ao carnaval da Bahia.
A descrição do paulista Alexandre Torres, o Chicleteiro traduz com perfeição o sentimento daqueles que cultuam o carnaval baiano. A cidade de Salvador transformada num cenário de um gigantesco espetáculo musical. Multidões com roupas coloridas cantando e dançando ao som ensurdecedor dos trios elétricos.
Mas não é só isso. No Pelourinho, por exemplo, centro histórico da cidade, o carnaval é como nos velhos tempos. A festa acontece sob forma de cortejos que passam pelas ruas estreitas de arquitetura colonial. Maracatus, afoxés, charangas e blocos de frevos surpreendem aqueles que pensam que o carnaval da Bahia é feito apenas pelos trios. A beleza dos blocos afros emociona. A música é diferente. A batida dos tambores adquirem ritmos muito peculiares. Os Filhos de Gandhi desfilam com oito mil homens vestindo sua tradicional roupa branca com detalhes azuis, perfumando a multidão com borrifadas de lavanda. É lindo! Assim como o Ilê Ayê, que invade o bairro da Liberdade com um espetáculo de diferentes ritmos e cores.
Em frente ao Farol da Barra se localiza um dos centros nervosos do carnaval da Bahia. Com o crescimento da festa, nos últimos anos, o centro da cidade ficou pequeno para o desfile dos trios e parte da festa se transferiu para o que os baianos chamam de circuito Barra-Ondina. Ali, multidões se comprimem para assistir e participar do desfile. Uma das razões do sucesso desse circuito é a existência do Camarote 2222. Construído nos dois primeiros andares do Edifício Oceania, o camarote tem uma localização privilegiada e varandas que se debruçam sobre a avenida, permitindo que Caetano e Gil mantenham um diálogo direto com as bandas que se apresentam nos trios.
É preciso lembrar, que Caetano e Gil, junto com o trio elétrico Dodô e Osmar, são os principais responsáveis pela visibilidade nacional que o carnaval baiano adquiriu ao longo dos anos. Foi graças a frevos como Atrás do Trio Elétrico e Chuva Suor e Cerveja que o carnaval da Bahia passou a ser conhecido nacionalmente. Assim, Caetano e Gil se tornaram uma espécie de Orixás do carnaval. E o 2222 se tornou algo como um templo sagrado da música baiana. Todos os trios quando passam em frente ao camarote fazem reverências aos ídolos e depois do desfile os músicos vão até o 2222, pedir uma bênção àquelas entidades que deram uma outra dimensão à música feita na Bahia. Essa reverência à sabedoria dos mais velhos é bem típica da cultura baiana.
O camarote 2222 é produzido com competência por Flora Gil. Bem organizado, o camarote rola durante os cinco dias de carnaval. Uma pista de dança. Três bares com bebida farta. Garçons que não deixavam nenhum copo vazio, mesmo que o dia já tivesse raiado. Três varandas que permitiam aos convidados uma visão privilegiada do desfile. Sala de imprensa. Cyber café. Sala de massagem. Uma área vip para privacidade das celebridades. E um buffet que servia canapés, acarajé, massas, picadinhos, caldos e até café da manhã para aqueles que ficavam até o final.
É importante que tenha muita comida para os foliões poderem agüentar o ritmo da festa e não se excederem na bebida. – me disse Flora, na varanda do 2222, enquanto eu devorava um acarajé crocante, que tinha acabado de sair do azeite. - Quero que todos sejam muito bem recebidos aqui no 2222. Gosto que as pessoas sejam bem tratadas pois o carnaval é uma festa da alegria, da harmonia e da confraternização. E quando você for fazer sua reportagem, por favor, fale bem de mim. Já basta o Artur Xexeo falando mal.
Gil circulava à vontade entre os convidados. Quando estava cansado deitava no surubão e relaxava. (surubão foi o apelido dado pelos foliões a um enorme sofá que havia no primeiro andar, onde os exaustos descansavam.) Caetano, quando não estava prestigiando o desfile de um outro trio, sempre marcava presença no camarote. No domingo ele usava uma camisa de Mangueira, escola de samba do Rio, com o nome de Chico Buarque escrito nas costas, numa referência ao desfile de 98 que homenageou o compositor.
Para mim o carnaval de Salvador foi uma semana inteira de puro êxtase. No domingo encontrei no 2222 Markus Kabul, Roberto Rodrigues e Marcelo Laport, caras super legais que jogam futevôlei em Ipanema, em frente a Vinicius. Eles foram passar o carnaval em Salvador e estavam hospedados na casa do jogador Fabio Baiano. Foi ótimo. Ele fizeram a maior festa quando me viram e nós ficamos toda à noite bebendo todas e curtindo os trios. Assistimos Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Timbalada e Asa de Águia. Todos foram maravilhosos. Mas o que mudou mesmo o clima do carnaval foi o trio de Armandinho, Dodô e Osmar. Eles são clássicos. E se mantêm puros. Fiquei arrepiado com os solos de guitarra baiana do Armandinho. Ele é o tal.
No final da noite Bebel Gilberto apareceu no 2222. Ela estava animadíssima e cheia de energia, pois tinha desfilado no trio do Carlinhos Brown. Fomos para a pista e dançamos muito. Bebel estava divertida e fazia coreografias engraçadas. Havia uma garotada bem jovem na pista. Crianças e adolescentes. Meninos e meninas.. Cada um mais lindo que o outro. E a Bebel sussurrava no meu ouvido: Quantos garotos lindos... Depois chegou o Lindemberg Farias com a Isabel Jaguaribe. Isabel e Bebel se abraçaram e Lindemberg ficou olhando sério, meio de cara amarrada. Ficamos dançando e Bebel sussurrava no meu ouvido: Esse Lindemberg é um chato. Mas eu não estava mais prestando atenção nele. Minha atenção agora estava voltada para um outro rapaz. Um adolescente lourinho, cujo cabelo tinha uma franja que caía sobre a testa onde ele tinha amarrado um lenço vermelho onde estava escrito a palavra “vivo”.
Na segunda feira, já eram três da madrugada, eu resolvi ir embora. Voltar para o hotel pois no dia seguinte seria o último dia do carnaval e eu queria estar fisicamente preparado para enfrentar a maratona de trios. Só que, quando eu estava indo embora ouvi um trio ao longe. Era Margareth Menezes. Abandonei a idéia de voltar para o hotel e decidi seguir o trio. Pulando na pipoca, junto com a multidão. Foi sensacional subir as ladeiras da avenida Beira-Mar, cantando e dançando, e assistir o horizonte se transformando. A noite virando dia. O céu escuro adquirindo tons azuis, lentamente. E a multidão querendo mais e mais. E a mulher não parava de cantar, com aquele vozeirão sensacional. Nunca vou esquecer...
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