14.6.04

O LIVRO É O MELHOR AMIGO DO HOMEM - Abaixo trechos do livro de Edmund White, "O flâneur", onde o autor fala da capital francesa, Baudelaire e cita brasileiros que contribuíram para a vida cultural da cidade.


Paris é um mundo feito para ser visto pelo caminhante solitário, pois somente a passo ocioso pode-se aprender toda a riqueza de seus ricos (mesmo os velados) detalhes. O andarilho urbano - o flâneur - tem uma antiga e ilustre linhagem na França. Um viajante italiano, em 1577, disse que: "Olhar o ir-e-vir das pessoas sempre foi o passatempo favorito dos parisienses; não admira que sejam chamados de papa-moscas". Anos antes da Revolução, um escritor, Louis Sébastien Mercier, vagou pelas ruas de Paris tomando notas sobre os pregões dos vendedores ambulantes, estudando as butiques e observando em ação a centena de oficios da grande cidade.


O flâneur consumado, no século xix, foi Baudelaire. A chave da moderna vivência urbana é o livro O pintor da vida moderna, onde Baudelaire fala do caricaturista Constantin Guys, um homem tão esquivo ao olhar público que Baudelaire se refere a ele somente sob despiste das suas iniciais. Num trecho cativante, transcrito abaixo, Baudelaire louva o artista moderno que mergulha na multidão, recolhe impressões e as joga no papel assim que regressa ao seu studio. Para ele, uma incursão na paisagem urbana nunca deve ter direção nem propósito, numa rendição passiva ao fluxo aleatório de suas surpreendentes e inumeráveis ruas. Escreve Baudelaire sobre o flâneur:


A multidão é o seu domínio, como o ar é o do pássaro e o mar, do peixe. Ele tem uma paixão e um credo: esposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso prazer fixar residência na multiplicidade, em tudo que se agita e que se move, evanescente e infinito: você não está em casa, mas se sente em casa em toda parte; você vê todo mundo, está no centro de tudo, mas permanece escondido de todos. E esses são apenas alguns dos pequenos prazeres dessas mentes independentes, apaixonadas e imparciais que a linguagem mal pode definir. O observador é um príncipe disfarçado que colhe prazeres em todos os lugares... O diletante da vida entra na multidão como num imenso reservatório de eletricidade.


Talvez os estrangeiros mais facilmente assimiláveis em Paris, ao menos durante o século XX, tenham sido os sul-americanos. Exilados políticos, na maioria, em fuga de algum ditador, suas atitudes sempre foram calculadas para despertar as simpatias dos franceses. Além disso, sua própria cultura e língua orientavam-nos desde o início a Paris. Buenos Aires, com suas amplas avenidas e seus prédios públicos Beaux-Arts, foi planejada para se assemlehar a Paris. Nos anos 60, com Perón no poder e a Espanha ainda sob o jugo de Franco, os artistas e intelectuais argentinos fugiram de Buenos Aires, não em direção a Madri, mas a Paris.


Os brasileiros contribuíram bastante para a vida cultural de Paris. O pianista-concertista Nelson Freire, o jornalista Bernardo Carvalho, o ator teatral Antonin Interlandi e o editor Alexandre Rosa, o primeiro a fazer resenhas de livros na internet, são apenas alguns nomes que me vêm à cabeça. Mas há também todos os restaurantes, boates e cabarés brasileiros que comparecem com sua dose de sensualidade para o agito da cidade.


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