22.9.05

O AMOR NOS TEMPOS DO FUNDAMENTALISMO - Em pleno século XXI, enquanto a ciência, a medicina e a tecnologia surpreendem com a sua evolução, setores da sociedade ainda preferem lidar com o diferente através das lentes nebulosas da intolerância e do preconceito. Foi por causa dessa mesma dupla dinâmica, a intolerância e o preconceito, que milhões de judeus foram exterminados pelos alemães na Segunda Guerra. A tragédia inerente a esse fato histórico parece não ter servido de aprendizado para os homens que hoje, mais do que nunca, continuam tratando como inimigos aqueles quem têm hábitos culturais contrastantes.


O fundamentalismo, seja religioso, ideológico, sexual ou econômico, continua circulando livremente no mundo moderno. Pois é num mundo que prioriza o ódio como uma maneira de lidar com o diferente que acontece a história de amor entre John Pitt e Shirin Faramed, protagonistas do livro Um bom lugar para morrer, que está sendo lançado pela Record. A despeito da tirania dos que cultuam o ódio como elemento de comunicação com o outro, muitas vezes, a pureza do amor faz com que alguns diferentes sintam-se irresistivelmente atraídos uns pelos outros. É o que acontece com os protagonistas do livro, um casal separado por enormes barreiras culturais que, depois de uma simples troca de olhares, descobrem que querem viver juntos o resto de suas vidas.


Essa apaixonante história de amor tem como cenário o Irã, em meados dos anos 70, quando o país entrou num processo revolucionário que acabou destituindo o Xá e permitiu a ascensão do aiatolá Khomeini. John Pitt é apenas um jovem inglês que quer conhecer o mundo e acaba indo morar no Irã pois tem uma curiosidade juvenil por culturas diferentes da sua. Como forma de sobreviver no Irã ele dá aulas de inglês para jovens em Isfahan, uma das maiores cidades do País. É no curso de inglês que ele conhece a bela Shirin Faramed filha de um alto oficial do governo cujo líder político é o Xá.


A atração entre o jovem professor e a voluntariosa aluna cuja beleza se oculta no xador, surge quando trocam o primeiro olhar. Afinal, os olhos são a única parte do corpo que o xador, o típico traje feminino iraniano, deixa a descoberto. Desde o primeiro olhar, um sentimento forte e verdadeiro se instala no coração daquelas pessoas. John e Shirin se amam e isso é tudo o que existe para eles. Nada mais importa. Eles querem ser um do outro. Querem se tocar, se beijar, conversar e esquecer as barreiras culturais e morais que separam suas vidas. O amor que os une é rejeitado pela sociedade conservadora que os cerca. Cegos de paixão decidem ficar juntos, a despeito do mundo cruel que condena aquele amor. Pressionados, decidem fugir e se escondem nas ruínas de um palácio, às margens de um lago que descortina uma paisagem de rara beleza. Ali, escapam de um atentado. Na fuga, ao observar a beleza do lugar, a jovem heroína diz ao amado que ali seria um bom lugar para morrer.


A situação piora quando o aiatolá Khomeini, guia espiritual do povo iraniano, tira o poder das mãos do Xá e instaura a República Islâmica do Irã, caracterizada pelo cerceamento das liberdades individuais. Aliando fervor religioso e sentimentos antiimperialistas o novo regime rejeita conquistas da sociedade como a educação laica e a presença feminina no mercado de trabalho, considerados males do mundo moderno. No meio dessa confusão o casal apaixonado se esconde às margens do golfo pérsico onde obtém uma paz provisória até que o desdobramento da revolução transforma o sonho de amor num pesadelo. John é preso como espião e separado de sua amada. Na prisão é torturado e submetido a humilhações enquanto a jovem é obrigada a viver escondida com a filha do casal.


Anos depois, quando sai da cadeia, obcecado pela mulher que ama, John continua no Irã, tentando encontrar a bela dama que conquistou seu coração com apenas um olhar. Essa história de amor que atravessa duas décadas é contada com verdade e lirismo pelo romancista James Buchan, que durante dez anos foi correspondente internacional do jornal Financial Times em diversos países. A velha trama literária do amor impossível funciona com perfeição no livro ambientado num mundo que parece ter sucumbindo ao fundamentalismo. Enquanto narra as agruras do romântico casal num intricado labirinto político, o romance descreve com ardor as descobertas cotidianas dos segredos culturais de cada um. Como no trecho a seguir, pinçado do décimo capítulo do livro:


Ergui a saia dela até o seio. Uma esfoladura profunda espalhava-se até as costelas. Lutei contra a tentação de beijar a escoriação. Peguei Shirin nos braços e caminhei para a casa. Ela se debateu. Enquanto eu subia os degraus, ela fechou os olhos; mas não de dor, ou não só de dor, mas pelo contrário. Percebi, horrorizado, que ela nunca tinha sido carregada, nunca lhe haviam permitido o luxo da fraqueza, nunca ficara doente ou exausta, nunca fora amada. Seu prazer percorreu meus braços e liquefez meu coração. Senti a força diminuindo. Puxei a saia dela e enterrei a cabeça em seu colo.


(Texto publicado no Caderno B, do Jornal do Brasil).

Madonna vem aí...

 

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