5.12.05

FESTA NA FLORESTA –Durante o Jungle Fight os longos corredores do Hotel Tropical foram testemunhas da manifestação explosiva de muitos sentimentos. Alegrias e tristezas. Orgulho e vergonha. Ternura e fúria. Além de demonstrações explícitas de afeto, amizade, ódio, inveja, companheirismo, fidelidade, orgulho, carinho, paixão e amor. Foi atravessando os longos corredores do Hotel Tropical, em Manaus, durante o Jungle Fight, que aficionados das artes marciais puderam conviver com todos esses sentimentos como personagens atarantados dentro de um filme do Robert Altman.


O torneio em si durou cerca de três horas, no Centro de Convenções do Tropical. Mas esse tipo de evento envolve também o antes, que é a chegada dos atletas, suas equipes e seus treinadores, a pesagem, que é o momento mais sublime, e o depois, que é o dia seguinte, quando já foi definido quem ganhou e quem perdeu e acontece aquela confraternização com os rapazes de braços enfaixados, olhos inchados e corpo coberto de hematomas.


A cada nova competição os torneios de artes marciais no Brasil vêm adquirindo, cada vez mais, um nível profissional que não fica nada a dever aos grandes torneios internacionais. Organizados e bem produzidos, já assimilaram a noção de espetáculo adequada a esse tipo de evento. No caso do Jungle Fight a inclusão de elementos ligados a floresta, com seus mitos, lendas e cenários fizeram a diferença no torneio que teve transmissão internacional ao vivo. Com os recursos do mundo dos espetáculos agregados ao esporte, o Jungle Fight ficou parecendo uma grande ópera realizada em plena floresta amazônica. Algo entre Hollywood e o desfile das escolas de samba.


Os lutadores cientes da sua posição de vedetes do espetáculo faziam a sua parte. As entradas em cena buscavam sempre uma forma original de levantar o público, cada um com sua música apropriada. Havia desde o funk carioca, o rock da Califórnia e o hino da Croácia até a trilha do filme Cristóvão Colombo, feita pelo músico Vangelis. O lutador carioca Alexandre Cacareco surgiu da boca do cacique cenográfico ao som de um autêntico hip hop. Com sua equipe ele atravessou a passarela dançando o ritmo da moda e assim, ganhando a simpatia do público. Parecia que sabia que ia vencer o embate com o adversário Júlio Jamanta.


Júlio Jamanta X Alexandre Cacareco foi uma luta que deu o que falar no torneio. Jamanta e Cacareco pertencem a academias rivais, a Brazilian Top Team e a Chute Box, e isso criou uma expectativa em torno da disputa. Parecia ser uma luta equilibrada mas, com menos de um minuto, Cacareco detonou Jamanta e comemorou imitando o gesto de vitória do seu adversário. A equipe do atleta nocauteado não gostou nada da brincadeira. Corta para o dia seguinte, no café da manhã do Hotel Tropical.


Um elegante salão no primeiro andar, cujas janelas envidraçadas exibem lá fora as árvores frondosas do bosque particular do Hotel. Assim é o lugar onde é servido o café da manhã do Tropical. Com sucos de Cupuaçu e Taperebá, tapiocas, ovos mexidos e uma infinidade de frutas e pãezinhos e bolinhos e guloseimas diversas. Naquela manhã inocentes rapazes tatuados, másculos e viris exibiam com orgulho seus hematomas, seus supercílios inchados, seus ombros ou braços enfaixados. Em torno deles outros atletas, tão másculos quanto viris, discutiam os melhores momentos do bem sucedido torneio da noite anterior. Tudo isso misturado a turistas de vários lugares do mundo que testemunhavam impávidos aquele congresso de fraterna virilidade.


Como num filme de cowboy, tudo mudou quando Alexandre Cacareco adentrou o saloon do café matinal. Sentados numa mesa, os integrantes da equipe de Julio Jamanta eram um pote até aqui de mágoa com o adversário do seu atleta, que ostentava um olho tão inchado que não conseguia nem abrir. Quando Cacareco atravessou o salão, uma voz rancorosa explodiu um “filho-da-puta” num tom de voz tão passional que mudou o clima do breakfast na selva. De imediato um silêncio teatral deu um tom de perplexidade ao ambiente.


Cacareco respondeu alguma coisa e um dos lutadores se levantou da mesa dizendo com firmeza: “Nós vamos resolver isso agora!”, e partiu em direção ao outro já se despindo do casaco enquanto aquele se livrava do relógio respondendo com voz decidida: “Pode vir qualquer um de vocês. Se quiser pode vir até os cinco”. O clima ficou tenso. Da mesa ao lado um grupo de turistas se levantou apressado e saíu de fininho do salão. Foi tudo muito rápido e, quando eles já estavam quase se atracando, a turma do deixa disso conseguiu acalmar os ânimos.


Quando tudo já havia voltado ao normal eu me virei para o Maitre, que ainda parecia boquiaberto com a cena que acabara de assistir. Os gestos largos. As poses viris. As vozes alteradas. Eu me desculpei pelos lutadores. “Eles só estão um pouco nervosos, mas são caras legais”, disse eu, justificando. O Maitre: “Eu quero mais é que eles briguem e quebrem tudo. Depois a gente bota no lugar”. Em mesas bem separadas, Cacareco, Jamanta e suas equipes saboreavam a refeição matinal.

Madonna vem aí...

 

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