UMA LÁGRIMA PARA GUILHERME ARAÚJO – A última vez que eu vi Guilherme Araújo foi algumas semanas antes da sua morte. Eu tinha ido almoçar no Delírio Tropical e, como o restaurante ficava perto da casa dele, resolvi ir até lá para saber como ele estava e lhe dar um abraço. Quando cheguei na sua casa Guilherme estava na porta, sentado na cadeira de rodas, olhando o discreto movimento da rua Redentor. Era uma tarde linda. Ipanema estava calma, sossegada. Ele me sorriu e o seu sorriso me transmitiu serenidade.
Eu sentei no chão, no batente da porta e ficamos conversando eu, ele e Eliane, sua adorável enfermeira, uma mulher incrível que foi muito boa para ele. Naquela manhã eu tinha ouvido pela primeira vez os novos discos de Maria Bethânia, os dois CD´s que ela tinha acabado de lançar. E comentei com ele sobre os discos. “A Bethânia é uma mulher muito inteligente Waldir. Sempre foi”, me disse ele com admiração por sua eterna musa.
Eliane, gentil e atenciosa, me trouxe refrigerante e, de forma muito carinhosa, deu um remédio para ele. Depois nos contou um pouco da sua vida, que era muito feliz, que adorava morar no Alto da Boa Vista, que sua casa tinha uma linda vista para o verde. Eu perguntei a Guilherme pelas “meninas”, me referindo ao seu grupo de amigas do soçaite, e Guilherme sorriu, vaidoso. “Elas não me esquecem, me ligam o tempo inteiro”, disse ele.
Num dado momento da nossa conversa ele reclamou que estava com um pouco de dor nas costas. Dor talvez provocada pelo desconforto de estar na cadeira de rodas. Eu, então, sugeri a ele que trocasse a cadeira de rodas pelo sofá da sua sala. Eu colocaria o sofá na entrada da porta e ele poderia ficar no mesmo lugar sentado no sofá em vez da cadeira. Ele gostou da idéia. Então Eliane o afastou com a cadeira, eu carreguei o sofá, coloquei em frente à porta da sala e depois nós o carregamos e o colocamos no sofá.
“Que ótima idéia, Waldir. Eu não tinha pensado nisso”, disse ele quando se sentiu mais confortável na maciez do sofá, que era bem a cara do Guilherme, com estampa de oncinha. Nesse momento, ao vê-lo tão fragilizado, fiquei emocionado, segurei na sua mão e falei: “Nossa Guilherme, quanto sofrimento né?” Ele então me olhou com ternura e, com a voz tranqüila, serena, e que me pareceu cheia de sabedoria, disse o seguinte:
Mesmo com todo esse sofrimento, eu ainda acho que não existe nada melhor que a vida. Mesmo com todo desconforto e sofrimento, no que depender de mim, eu quero viver até os cem anos.
Depois ficou sentado olhando com tranqüilidade para as árvores da rua Redentor, que estavam lindas, exuberantes e nos transmitiam vida e energia. Naquele instante eu senti uma paz que poucas vezes senti na vida. E a beleza que eu já via na rua, na iluminação que a tarde derramava sobre o verde frondoso da vegetação, na calma que a rua transmitia, na brisa suave que soprava sobre nossas faces, aumentou. Ficamos em silêncio simplesmente olhando a vida que naquele instante se fez ainda mais bela. Uma gostosa sensação de nostalgia me contaminou. Não sei porque, ali, esparramado no chão do batente da porta, imagens da minha infância começaram a surgir na minha mente. Uma sensação juvenil de quem tem todo o tempo do mundo pela frente. Uma emoção que eu não sentia desde quando era menino.
Assim foi o meu último encontro com Guilherme Araújo. O festeiro, o Midas do show-business, o homem que gostava de divertir as pessoas, o gentleman que sabia conquistar e fazer amigos, mesmo num momento de dor e sofrimento ainda teve forças para me dar uma lição de vida. Eu saí de sua casa me sentindo mais leve, feliz comigo mesmo, conseguindo olhar com mais generosidade para o mundo e para as pessoas. Ele sempre foi um gênio na arte de receber os amigos. E naquela tarde não foi diferente. Era impossível estar com ele e depois não se sentir feliz. Descanse em paz, querido Guilherme. Descanse em paz...
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