23.8.07

A NOITE DA LÍNGUA PORTUGUESA - O escritor português Jorge Reis-Sá veio ao Brasil participar do lançamento do seu romance Todos os dias. Como um Pedro Alvares Cabral dos tempos modernos o jovem lusitano atravessou o oceano e chegou sábado ao Brasil. Volta para o Farmelicão, sua aldeia no norte do Portugal, na próximo domingo. Veio acompanhado da mulher, a jovem e doce Ana, uma bióloga que conheceu na Faculdade. Na terça ele deu autógrafos na Livraria da Travessa, no Shopping Leblon, onde participou de um debate sobre as relações Brasil-Portugal na literatura. Foi uma noite de papo inteligente e idéias saudáveis.

Um rapaz muito bonito. Foi essa a primeira impressão que tive de Reis-Sá. No seu charme lusitano havia algo do Primo Basilio, na descrição de Eça de Queiroz. Bonito como um príncipe, ele também escreve bonito. Sua figura nos remete a um poeta romântico. Algo que na verdade o é. Todos os dias é seu primeiro romance, mas o charmoso português já publicou livros de poesia. Mesmo quando escreve prosa Reis-Sá tem um texto lírico, poético. Uma narrativa é pungente. Delicada. Seu texto valoriza a língua portuguesa quando simplesmente descreve o cotidiano de uma família qualquer como um quadro de um grande artista. Uma simples réstia de sol que atravessa o postigo da janela adquire dimensão de epopéia quando narrada por Reis-Sá, com seu estilo gentil e educado de contar sua história para o leitor.

Na fila de autógrafos muitos escritores e admiradores da língua portuguesa como falada e escrita em Portugal, já que a edição brasileira manteve o texto original do livro. Não foram feitas correções para o português do Brasil. Um acerto da editora Luciana Villas Boas, entusiasta do livro. Antes da sessão de autógrafos, porém, houve um animado debate no elegante auditório da livraria do Shopping. Esse é um costume em Portugal. Sempre que ocorre o lançamento de um livro é promovido um debate entre o autor e convidados. Os convidados de Reis-Sá foram os poetas brasileiros Antônio Cícero e Eucanãa Ferraz, que os admiradores classificam como os novos drummonds. A apresentação do debate foi feita pela todo-poderosa diretora editorial da Record Luciana Villas Boas.

A unificação da lingua portuguesa nos oito paises do mundo que falam essa língua foi o palpitante assunto que norteou toda a discussão. Com a unificação Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor-Leste, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Brasil e Portugal passarão a escrever da mesma maneira. A discussão foi muito interessante já que ali todos pareciam ser contra a unificação. Todos, menos Antônio Cícero que se revelou radicalmente a favor. Com seus argumentos e seu entusiasmo Cicero parecia um bravo guerreiro lutando contra um batalhão de adversários. Eucanãa Ferraz contemporizou lembrando que a unificação daria força política a língua portuguesa, subjugada ante o poder das línguas inglesa e francesa. Jorge Reis-Sá disse que prefere o português com suas particularidades e diferenças. Lembrou que Portugal, mesmo sendo um país de pequena extensão territorial, tem suas proóprias diferenças internas. Cicero contestou citando o inglês, que tem amplo domínio internacional, por ser uma língua falada de um jeito único em todos os países de influência anglo-saxônica. Com veemência Luciana interviu e afirmou convicta: existe sim diferenças entre as diversas línguas inglesas faladas no mundo.

Luciana Villas Boas é uma figura. A maior prova de que ela acredita no livro de Jorge Reis-Sá é que ela foi com tudo ao lançamento do livro. E quando eu digo com tudo, eu quero dizer que ela não foi lá apenas fazer um número. Foi brigar pelo livro num mercado editorial competitivo. Luciana é uma mulher muito inteligente e isso ficou claro nas suas intervenções durante o debate. Foi sensacional o momento em que ela contestou Cicero e defendeu com firmeza que sejam mantidas as diferenças regionais da língua portuguesa.

A presença de Luciana Villas Boas no lançamento de Jorge Reis-Sá não se limitou a uma participação incisiva no que diz respeito ao contexto intelecto-cultural da literatura. Antes de tudo, Luciana é fashion. E como é fashion ela foi à noite de autógrafos do gracioso português vestida para matar. Luciana sempre foi uma mulher bonita, mas nessa noite ela estava radiante. A maquiagem perfeita, o cabelo correto. A mulher estava linda com um vestido preto belíssimo que eu classificaria de fechativo e que poderia tanto ter a assinatura do Christian Lacroix como de John Galliano. Para arrematar chiquérimas botas negras até o joelho. Quando pegou o microfone e contou como descobriu o livro Todos os dias e falou sobre sua relação com os livros, os autores e a literatura a platéia ficou encantada. Sobre sua figura elegante e carismática parecia haver uma legenda de gibi que dizia: Sou linda, mas também sou inteligente!

E salve a língua portuguesa.

A seguir um poema de Jorge Reis-Sá, do livro A palavra no cimo das águas.








FADO TROPICAL - Circulando por entre escritores como Angela Dutra de Menezes, Antônio Torres, Bia e Pedro Correia do Lago estava o jornalista portugues João Pereira Coutinho. O rapaz é um bem sucedido colunista do jornal Expresso. O sucesso de sua coluna no mais popular jornal de seu país atravessou fronteiras e chegou ao Brasil. Sendo assim ele foi convidado para assinar uma coluna na Folha de São Paulo. Dias atrás um de seus textos recebeu uma consagração do leitor brasileiro ao ser transformado em corrente da internet. Com o título de Não existem homossexuais, seu texto deu o que falar, provocou discussões e lançou um novo olhar sobre um assunto que parecia esgotado. Coutinho veio ao Brasil passar uma temporada em Sâo Paulo e veio ao Rio prestigiar Jorge Reis-Sá que é seu amigo pessoal e seu editor em Portugal.

Leia a seguir o artigo Não existem homossexuais, do cronista portugues João Pereira Coutinho, publicado na Folha.

NÃO CONHEÇO homossexuais. Nem um para mostrar. Amigos meus dizem que existem. Outros dizem que são. Eu coço a cabeça e investigo: dois olhos, duas mãos, duas pernas. Um ser humano como outro qualquer. Mas eles recusam pertencer ao único gênero que interessa, o humano. E falam do "homossexual" como algumas crianças falam de fadas ou duendes. Mas os homossexuais existem?

A desconfiança deve ser atribuída a um insuspeito na matéria. Falo de Gore Vidal, que roubou o conceito a outro, Tennessee Williams: "homossexual" é adjetivo, não substantivo. Concordo, subscrevo. Não existe o "homossexual". Existem atos homossexuais. E atos heterossexuais. Eu próprio, confesso, sou culpado de praticar os segundos (menos do que gostaria, é certo). E parte da humanidade pratica os primeiros. Mas acreditar que um adjetivo se converte em substantivo é uma forma de moralismo pela via errada. É elevar o sexo a condição identitária. Sou como ser humano o que faço na minha cama. Aberrante, não?

Uns anos atrás, aliás, comprei brigas feias na imprensa portuguesa por afirmar o óbvio: ter orgulho da sexualidade é como ter orgulho da cor da pele. Ilógico. Se a orientação sexual é um fato tão natural como a pigmentação dermatológica, não há nada de que ter orgulho. Podemos sentir orgulho da carreira que fomos construindo: do livro que escrevemos, da música que compusemos. O orgulho pressupõe mérito. E o mérito pressupõe escolha. Na sexualidade, não há escolha.

Infelizmente, o mundo não concorda. Os homossexuais existem e, mais, existe uma forma de vida gay com sua literatura, sua arte. Seu cinema. O Festival de Veneza, por exemplo, pretende instituir um Leão Queer para o melhor filme gay em concurso. Não é caso único. Berlim já tem um prêmio semelhante há duas décadas. É o Teddy Award. Estranho. Olhando para a história da arte ocidental, é possível divisar obras que versaram sobre o amor entre pessoas do mesmo sexo. A arte greco-latina surge dominada por essa pulsão homoerótica. Mas só um analfabeto fala em "arte grega gay" ou "arte romana gay". E desconfio que o imperador Adriano se sentiria abismado se as estátuas de Antínoo, que mandou espalhar por Roma, fossem classificadas como exemplares de "estatuária gay". A arte não tem gênero. Tem talento ou falta de.

E, já agora, tem bom senso ou falta de. Definir uma obra de arte pela orientação sexual dos personagens retratados não é apenas um caso de filistinismo cultural. É encerrar um quadro, um livro ou um filme no gueto ideológico das patrulhas. Exatamente como acontece com as próprias patrulhas, que transformam um fato natural em programa de exclusão. De auto-exclusão. Eu, se fosse "homossexual", sentiria certa ofensa se reduzissem a minha personalidade à inclinação (simbólica) do meu pênis. Mas eu prometo perguntar a um "homossexual" verdadeiro o que ele pensa sobre o assunto, caso eu consiga encontrar um no planeta Terra.



Madonna vem aí...

 

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