21.9.07

CINEMA É A MAIOR DIVERSÃO – O Festival do Rio de 2007 mal começou e já tem uma obra-prima incontestável. Trata-se do filme 20,13 – Purgatório, do cineasta português Joaquim Leitão. A produção reúne com harmonia os elementos que fazem de um filme uma obra de arte: bom roteiro, direção segura, bela fotografia e um elenco de grandes atores. 20,13 – Purgatório traz consigo a aura do talento português para as artes. Há algo de Fernando Pessoa no sentimento dos personagens. Há algo do fado nas lindas canções que dão clima a história. Há algo de Camões, de Eugênio de Andrade e de Eça de Queiroz nos diálogos passionais e nas tramas do roteiro. Há algo de Cristiano Ronaldo na beleza dos atores. E, mais que tudo, há algo do grande cinema europeu dos anos 70 na direção de Joaquim Leitão.


O universo retratado pelo filme é algo de fascinante: o exército de Portugal. Num quartel localizado numa zona de conflito em Moçambique é retratado o cotidiano dos soldados portugueses, prestes a serem atacados por gerrilheiros. A tensão com a presença dos inimigos à espreita é que norteia as relações entre homens viris acuados pela guerra. Entre um tiroteio aqui e uma guerrilha acolá, os militares lusos convivem intensamente com sentimentos díspares como admiração, despeito, desconfiança, medo, covardia, coragem, inveja, paixão e desejo.


O número 20,13, que aparece no título, é uma referência bíblica. Levítico 20, versículo 13 é aquela famosa citação bíblica que diz:

Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.


O filme começa com a prisão de um guerrilheiro inimigo. O Alferes Gaio - um oficial bonitão, cheio de principios éticos e morais - entra em conflito com seu superior hierárquico sobre o modo como o prisioneiro deve ser tratado. O superior, o Capitão, que alguns soldados fazem questão de chamar de meu Capitão, é um homem fechado no seu modo de entender a vida militar e a guerra. Ele é a favor que o prisioneiro seja torturado a fim de revelar os planos do inimigo. O Alferes Gaio discorda argumentando que eles não são criminosos covardes e sim soldados. Essa divergência entre os militares cria uma tensão que é valorizada pelo talento dos atores.


A maior parte da história ocorre na véspera de natal que, não por acaso, é o dia 24 de dezembro. E o número 24 do calendário aparece bem marcado numa das cenas. Por uma concessão especial do exército, a mulher do Capitão vai passar o natal com ele no quartel. Surpreso com a presença da esposa, o Capitão a trata friamente. A presença dela o desagrada e ele a deixa isolada no alojamento. Ao remexer em objetos pessoais do Capitão a mulher encontra uma foto do marido abraçado com outro soldado. Atrás da foto uma única palavra: Forever.


Confiantes de que naquela noite haverá a tradicional trégua natalina os militares promovem uma festa de confraternização. Durante a comemoração a mulher identifica Vicente, o soldado que estava abraçado com seu marido na foto. A tensão entre ela e o Capitão aumenta, mas, antes que possa haver qualquer coisa, uma bomba explode. Os guerrilheiros desrespeitam a trégua de natal e atacam o quartel. Os soldados saem da festa direto para o campo de batalha. Tiros, explosões, bombardeios. A noite promete ser longa. Quando os inimigos dão uma trégua no bombardeio e os soldados vão checar as baixas, encontram Vicente, o namorado do Capitão, baleado dentro de um alojamento. O Alferes Gaio logo observa que o lugar não foi atingido pelo tiroteio e chega a conclusão que o soldado foi assassinado por alguém do próprio quartel.


A tensão aumenta no quartel e o filme se transforma numa história policial. Quem teria matado Vicente enquanto o quartel era atacado pelos guerrilheiros? Aproveitando a trégua da batalha o Alferes Gaio investiga o crime. Ao fazer buscas no armário da vítima encontra uma foto do Capitão. É a mesma foto encontrada pela mulher, só que está rasgada ao meio. A outra metade, em que aparece apenas o soldado Vicente, foi deixada pelo assassino em cima da mesa do Capitão. Um novo bombardeio dos guerrilheiros provoca pânico no quartel. Sentindo-se acuado pela descoberta do seu segredo e achando que sua mulher foi a autora do crime contra o seu amante, o Capitão se lança numa operação suicida contra os inimigos. Deixa uma carta reveladora para o Alferes e, munido com um lança-bombas invade o campo do inimigo atirando sem parar. Antes de ser morto acaba salvando a vida de todos os seus soldados.


Quando o Comandante do Exército de Portugal chega ao quartel no dia seguinte para fazer um levantamento dos mortos e feridos é informado pelo Alferes Gaio dos acontecimentos que envolveram o Capitão e o seu amante. Diante de todas as evidências a ele expostas o Comandante contesta o Alferes. “Não existem maricas no Exército”. Diante da insistência do Alferes de que a verdade deve ser apurada o Camandante retruca. “Você quer que o Capitão seja lembrado como um maricas? Ele foi um herói que salvou a vida de todos vocês. Essa é que é a verdade.”


Essa história fascinante é contada com lirismo, poesia, densidade dramática e muito talento. Os diálogos, falados com o saboroso sotaque português, são primorosos. Marco D´Almeida, Adriano Carvalho, Ivo Canelas, Nuno Nunes, Pedro Varela e Angélico Vieira, os atores principais, são lindos, másculos e viris, o que contibui para alavancar a tensão sexual dos personagens, homens cujos valores masculinos são colocados à prova pela crueza da guerra. 20,13 - Purgatório estreou em dezembro do ano passado em Portugal e Moçambique. Agora o diretor espera lançar o filme no Brasil e conquistar o público com sua comovente história.


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