FESTIVAL DO RIO – Duas cantoras têm suas vidas contadas em filmes exibidos no Festival do Rio. Edith Piaf, a diva da canção francesa, emociona o público com sua vida trágica e com o poder de sua voz. Dulce Veiga, personagem fictício criado pelo escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, ganha vida no imaginoso filme de Guilherme de Almeida Prado. O filme sobre Piaf é uma obra-prima do cinema francês. O filme sobre Dulce Veiga uma jóia rara do cinema brasileiro.
PIAF – UM HINO AO AMOR – O diretor Olivier Dahan transformou a vida e a arte de Edith Piaf num filme encantador. Através de um roteiro correto e uma direção eficiente o público assiste hipnotizado as reviravoltas da curta e sofrida vida da artista. Entretanto, o eixo central do filme, o que o diretor achou mais importante ressaltar, foi o quanto visceral o canto significava para aquela mulher. A voz, a música, o jeito de cantar era algo como a sua respiração. Sem aquilo ela não conseguiria viver mais do que alguns segundos.
O filme começa com Piaf já célebre e famosa cantando nos Estados Unidos. No meio do show ela desmaia. Enquanto médicos tentam reanimá-la, um flash-back mostra cenas dramáticas da sua infância. O abandono da mãe alcoólatra; o pai, um pobre artista de circo, que a deixa para ser criada num bordel; a doença nos olhos, que quase a deixa cega, e o milagre que faz com que ela volte a enxergar; a primeira vez que cantou em público aos nove anos de idade; a vida boêmia nos subúrbios de Paris durante a adolescência. Esses fatos são entrecortados com cenas da Piaf adulta, sendo descoberta por um empresário que logo é misteriosamente assassinado. Seu envolvimento com drogas e bebidas, assim como sua carência afetiva.
O crítico do New York Times, acostumado com o academicismo do cinema americano, estranhou a narrativa que mistura vários períodos da vida da cantora. Mas, a inventividade do roteiro resulta num filme fascinante e belo como a interpretação de Piaf para a canção Non, je ne regrette rien. Marion Cotillard, a atriz que interpreta a Piaf adulta é uma danadinha. Seu desempenho é algo de muito especial. Ela tem carisma, graça e força dramática. Os números musicais reforçam a magia contida na voz e na música de Piaf e se transformam em deleite para os antigos e novos fãs da artista.
Há muito sofrimento na vida de Piaf. Há muito que chorar acompanhando o desenrolar dos dramas e das reviravoltas da curta vida da cantora. Mas no filme Piaf – Um hino ao amor, o drama que mais toca o coração da platéia é a história do seu romance com Marcel Cerdan, personagem do ator e músico francês Jean-Pierre Martins. Marcel é um homem belíssimo, um lutador de boxe charmoso, encantador. O sonho de toda mulher. Ela se apaixona por ele e o filme, maquiavélico, faz com que a platéia também caia de amores pelo rapaz. No auge do romance Marcel morre num acidente de avião. O modo como o filme conta esse episódio da vida de Piaf é de cortar o coração. É compreensível que nunca mais ela tenha conseguido ser feliz. Ninguém nesse mundo seria capaz de superar a perda de um homem como Marcel. Ninguém...
ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA? – Público brasileiro: esqueça o machismo démodé do filme Tropa de Elite. Existe vida inteligente no cinema nacional. Existe um cinema que está mais interessado no talento que no sensacionalismo. E vale registrar: finalmente o cinema brasileiro tem um filme realmente gay. O diretor Guilherme de Almeida Prado foi ovacionado no cinema Leblon pelo público que se deleitou com a sua versão para as telas do romance de Caio Fernando Abreu Onde andará Dulce Veiga?
O romance que deu origem ao livro foi publicado em 1990. Conta a história de um jornalista que busca uma cantora muito famosa no passado, mas que abandonou a carreira no auge do sucesso e sumiu sem deixar rastros. A Dulce Veiga do titulo é uma personagem inspirada na atriz Odete Lara que abandonou a carreira ainda no auge e foi viver num sítio numa cidade do interior, longe de tudo e de todos. O romance, uma jóia da literatura brasileira, tem um clima de filme noir e parece ter sido escrito na esperança de ser filmado.
Guilherme de Almeida Prado sempre teve o filme noir como inspiração para os seus filmes. Não é por acaso que o mais famoso de seus títulos chama-se A dama do cine Shangai, uma quase paródia de A dama do Shangai, clássico do cinema americano dirigido por Orson Welles. Sendo assim o livro de Caio Fernando se tornou um prato cheio para a o talento e a imaginação desse que é um dos grandes cineastas brasileiros.
Um escritor em crise existencial, depois de conseguir emprego como repórter de um jornal, resolve fazer uma reportagem sobre a desaparecida cantora Dulce Veiga que, no passado, tinha sido amante do dono do jornal. Ele não sabe que, ao tentar descobrir o paradeiro da artista, terá que mergulhar num mundo sombrio, cheio de verdades e mentiras, personagens dúbios e tragédias pessoais. E que, ao buscar o paradeiro de Dulce Veiga, ele está à procura de si mesmo e da razão da sua própria existência.
A história se passa em meados dos anos 80 e a ditadura militar ainda é uma sombra muito forte na vida dos personagens. É nesse contexto que ele encontra o personagem de Carolina Dieckman, a filha lésbica e drogada que Dulce Veiga abandonou quando criança, e que hoje se inspira na mãe cantando numa banda de rock que tem o imaginoso nome de Vaginas Dentadas. Vale lembrar que Dulce Veiga, magistralmente interpretada por Maitê Proença, é uma cantora de bossa-nova. Em várias sequências Maitê aparece cantando (dublada) Meditação, canção fetiche da bossa-nova, sucesso de Tom Jobim e Newton Mendonça.
Outro personagem importante na vida de Dulce Veiga é o diretor de teatro homossexual interpretado por Oscar Magrini. Logo na primeira cena em que aparece ele está deitado na cama ao lado de um bofe de tirar o fôlego. Enquanto o diretor fala ao telefone com o jornalista que quer entrevistá-lo sobre a cantora com quem fora casado no passado, o bofe se levanta da cama e a câmera dá um close fenomenal na sua rôla. Quem gosta de ver pau não pode deixar de assistir a essa película. Noutra seqüência magistral Oscar Magrini, muito afetado, está dirigindo uma peça revolucionária, onde dois rapazes nus recriam a Pietá. Para deleite do público, o filme não economiza closes no corpo dos marmanjos. Valei-me Almodovar!
Mas o babado não para por aí. Quando era casado com Dulce Veiga, o personagem de Oscar Magrini viveu um triângulo amoroso com um guerrilheiro que foi preso e torturado pela ditadura. Com o sumiço da cantora, o guerrilheiro, grande atuação de Carmo Dalla Vechia, pira, enlouquece, e assume a personalidade da cantora enquanto se injeta com fartas doses de heroínas. O filme tem muita droga. A roqueira lésbica cheira o tempo inteiro. A bicha guerrilheira, meio travesti, toma muito pico na veia. É uma loucura! Os personagens submergem no fundo do poço. Mas voltam à tona para um glorioso final feliz.
O roteiro inteligente possui diálogos criativos. Além disso, Almeida Prado caprichou na direção e recheou seu filme com cenas idílicas, quase surreais, que dão charme e sabor ao que se vê na tela. Exemplo: Numa seqüência em que o jornalista está em crise, a personagem chega na janela do seu apartamento e a paisagem vai mudando rapidamente; noutro momento ele vê no edifício ao lado, uma academia onde alguns rapazes fazem musculação e dois deles dançam um tango de modo provocante e sensual; em determinado momento Dulce Veiga surge, como uma miragem, cantando na areia da praia de Copacabana, ao lado de um pianista. Na seqüência final os personagens se encontram cantando na chuva. Sem falar nas magníficas sequências em preto-e-branco que lembram cenas de velhos filmes americanos.
Onde andará Dulce Veiga? é gostoso de assistir e surpreende a platéia com criatividade e cenas bem dirigidas. É um filme que demonstra uma compreensão muito particular do que seja cinema, ao deixar bem claro que o conceito de arte deve ser priorizado ante o conceito de indústria.
Meditação (Tom Jobim & Newton Mendonça))
Quem acreditou
No amor, no sorriso, na flor
Entao sonhou, sonhou...
E perdeu a paz
O amor, o sorriso e a flor
Se transformam depressa demais
Quem, no coraçao
Abrigou a tristeza de ver tudo isto se perder
E, na solidao
Procurou um caminho e seguiu,
Já descrente de um dia feliz
Quem chorou, chorou
E tanto que seu pranto já secou
Quem depois voltou
Ao amor, ao sorriso e à flor
Então tudo encontrou
E a própria dor
Revelou o caminho do amor
E a tristeza acabou
BABADO FORTE – O presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad causou polêmica na ONU ao afirmar que não existem homossexuais no Irã. Well... Acho que vou me mudar para lá. O fato é que o assunto gerou muita discussão. O psicanalista Paulo Próspero, inspirado em Sigmund Freud, até escreveu um texto sobre o assunto que esse blog reproduz a seguir.
O Armadinejad acabou de dizer que não há homossexulaismo no Irã. Certamente a declaração caiu como uma bomba, já que a atômica ainda não está pronta e outra ele não a tem. Na melhor das hipóteses dirão que é homofóbico, mentiroso, idiota, nazi, sei lá mais o que...
Agora vamos pensar juntos, já que o Brecht dizia que pensar pode ser a maior diversão do ser humano. É claro que "abestado" o homem não é, e sabe muito bem que há milhões de pessoas do mesmo sexo que lá, como cá, têm o habito e o gosto (ou gozo) de relarem entre si, sendo bem provável que, como tantos, um dia ele já o tenha feito. Brincadeirinha que talvez para os de lá (ou quiçá só para ele), seja tão inocentezinha que não precisa vir pejada com esta qualificação "médica" e recente na história. Foi só a partir do século 19 que surgiu o conceito de homossexulaismo. Talvez seja o Irã a terra do Marlboro, a terra do vale tudo, onde nada é nomeado. Estaria então o Irã atrás do filão do turismo gay, do pink-dollar? Vamos ficar de olho no tal do Armadinejad! Como já se dizia nessas plagas, desde os tempos da finada UDN, "o preço da liberdade é a eterna vigilância".
Lembro-me que também Lula nos tempos de antanho disse mais ou menos o mesmo quando declarou que homossexualismo seria uma atividade burguesa e que, portanto isto não ocorria entre metalúrgicos. Já o Comandante Fidel, adepto de outra linha, não só acreditava que lá existia o tal do homossexualismo, como criminalizava, prendia e perseguia. Menos ao seu irmão e a curriola de amiguinhos íntimos. Melhorzinho um pouco que Hitler que também matava.
Peçamos então melhores esclarecimentos a ambos: Lula e a Armadinejad. Como psicanalista estou bastante interessado nesta questão. Talvez possam nos ajudar em nossas investigações teóricas, ou práticas, para quem assim o desejar.
(Paulo Próspero)
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