O MÁGICO
De mim o que trará em sua capa
enigmática o mágico? De mim
o que haverá em sua urna aguda
e bem guardada? O que se mudará
de mim para o mundo falso e fundo
de seus olhos sem que eu perceba
nem queira dar por isso? Depois
do espanto, depois do óbvio
sob o fingimento das mangas
e de quantas ciências ocultas
em suas mãos abertas (hora
de ir embora) o que seremos?
O que serei de mim quando sair de cena
o mágico? Que restará do encanto?
Há de ficar a música de quando?
Algum espinho? Um ás? O espanto?
CALENDÁRIO
Maio, de hábito, demora-se à porta,
como o vizinho, o carteiro, o cachorro.
Das três imagens, porém, nenhuma diz
do que houve, para meu susto, àquele ano.
O quinto mês pulou o muro alto do dia
como só fazem os rapazes, mas logo
pelos quartos e sala convertia o ar em águas
definitivamente femininas. Eu
tentava decifrar. Mas
deitou-se comigo e, então, já não era isso
nem seu avesso: a camisa azul despia
azuis formas que eu não sabia, recém-saídas
de si mesmas, eu diria, e não sei ter
em conta senão que eram o que eram. Partiu
do mesmo modo, em bruto, coisa sem causa.
Maio, maravilha sem entendimento,
demora-se à porta, como o vizinho,
o carteiro, o cachorro. Porém,
nenhuma das três imagens, tampouco
este poema, diz do que houve, para meu susto,
àquele ano.
O DOIDO
Diziam, verdade ou não, que fora rico e são
e que a despeito dos bens que possuíra
acabara endividado, falido e torto. Talvez
por isso, embora miserável, a cabeça
reta, o andar
de quem governa e pisa terra extensa e sua
em perambular sob o sol absoluto,
absorvido sabe-se lá por que delírios.
Absorvido sabe-se lá por que delírios,
insultava o vento e o vazio numa agitação
de cabelos e palavras e era comum
vê-lo penteando com seus dedos
encardidos a água das praias,
como se província sua,
como sua líquida mulher ou filha.
Viveu assim, entre feridas e piolhos,
até que desceu a noite
e uma pedra veio buscá-lo.