26.8.08

UMA LÁGRIMA PARA LEOPOLDO SERRAN – A morte do roteirista Leopoldo Serran deixou de luto o cinema brasileiro. Ele era um mito e um símbolo para todos que escrevem roteiros no Brasil, seja para o cinema, seja para a TV. O também roteirista Doc Comparato, grande amigo do Leopoldo, está arrasado. “Minhas filhas o chamavam de tio Leo”, disse Doc com a voz chorosa. Duas semanas antes ele havia falado com Leopoldo por telefone. Combinaram um almoço que acabou não rolando. Quando soube que o amigo havia sido internado Doc, que é médico, correu para o Hospital de Ipanema, mas não teve coragem de entrar na enfermaria. Do corredor do Hospital ligou para o celular do amigo e, ao ouvir sua voz na gravação, começou a chorar. Uma cena de cinema.

Leopoldo escreveu o roteiro de alguns dos mais importantes filmes brasileiros: Dona Flor e seus dois maridos, A estrela sobre, Copacabana me engana, Máscara da traição, Marília e Marina, Se segura malandro, Tudo bem, República dos Assassinos, Amor Bandido, Eu te amo, Gabriela cravo e canela, Faca de dois gumes, O quatrilho, O que é isso companheiro?, O dia da caça, só para citar alguns. Formou criativa parceira artística com o cineasta Antônio Calmon. Tiveram a chancela da dupla comédias como Gente fina é outra coisa, Revólver de Brinquedo, O bom marido e Nos embalos de Ipanema, além do policial Eu matei Lúcio Flávio.

Curiosamente, um dos seus mais populares roteiros nunca foi filmado: Shirley, a história de um travesti. O roteiro foi publicado em livro em 1979, pela editora Codecri, e virou um best seller. Contava a história de um travesti, desses que fazem programa na Lapa, e acabava se envolvendo com um figurão da alta sociedade. Escrita no final dos anos 70 a história de Serran já antecipava a comédia que foi a aventura do jogador Ronaldo com um traveco no verão passado. Isso só mostra a atualidade do roteiro. Bem que algum cineasta brasileiro podia filmar o roteiro de Shirley com Wagner Moura no papel principal. Seria um sucesso de bilheteria.

Nas livrarias ainda é possível encontrar Arara Carioca, último trabalho do escritor, romance publicado pela editora A Girafa. Em Arara Carioca, o personagem central, Marco, um típico “intelectual ipanemense”, deixa-se levar pelas recordações enquanto se balança em uma rede fazendo tempo para um encontro. As lembranças são diversas e principalmente referentes ao ano 1970. Marco relembra seu envolvimento amoroso com uma mulher marcante, Laura, seus amigos, sua vida de solitário, suas ocupações como jornalista e tradutor, o apoio financeiro e a amizade de um tio rico, Cézar, extravagante e cínico, do qual herda algum dinheiro, que lhe facilita a vida e proporciona viagens, e principalmente o cinismo, o “olhar distanciado” sobre tudo. A estrutura do livro é simples, tudo cabe dentro dessa hora passada na rede, em tranqüilidade, finda a qual, olhando para o relógio, Marco resolve levantar-se e ir ao encontro, banal, com uma adolescente de 16 anos. Mas essa estrutura funciona. Parece que esse “balanço de rede” marca o tom, não-dramático, distanciado, que vai colocar o leitor no período recordado e vivenciado por Marco, ou seja, o período mais repressivo da ditadura militar.

Leopoldo Augusto Bhering Serran era um sujeito discreto, amava a família e sabia ser amigo dos amigos. Tinha alma de artista e acreditava no cinema como forma de arte. Carrancudo, não tinha paciência com a mediocridade. Corajoso, costumava dizer que o melhor filme era o de faroeste. Certamente ele será uma das estrelas do obituário anual da festa de entrega do Oscar no próximo ano. Afinal, dois filmes escritos por ele foram indicados ao prêmio máximo do cinema: O quatrilho e O que é isso companheiro?

Descanse em paz, Leopoldo. Descanse em paz...

Leia AQUI o obituário do escritor publicado no New York Times e AQUI uma entrevista com o roteirista.

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