UMA LÁGRIMA PARA HELIO GRACIE - Minha maior emoção neste verão 2009 foi quando soube a notícia da morte do Senhor Hélio Gracie. Não consegui evitar as lágrimas ao lembrar a última vez que estive com ele, no seu aniversário de 95 anos, em outubro passado. Fique tocado com sua vivacidade, energia e serenidade. Cercado pelos filhos e discípulos ele fez um discurso onde disse: “Espero que vocês cheguem a minha idade com mais facilidade do que eu. E aconselho a terem cuidado com o que comem. Pois os males entram pela boca”.
Veja na TATAME TV o discurso de aniversário do Senhor Hélio Gracie.
Um dia antes do aniversário eu estava em casa quando o telefone tocou. Era Royler, um dos filhos do Hélio. “Waldir, amanhã é o aniversário do meu pai, a gente vai cantar um parabéns pra ele na Academia. Não é festa, não. É só um bolinho e um guaraná. Passa lá pra comemorar com a gente”. Eu me senti muito honrado com o convite e fiz questão de festejar junto com eles.
Durante a comemoração a Academia Gracie do Humaitá ficou lotada. Todos os lutadores vestidos de quimono e, puxa vida, se existe uma roupa que deixa o homem elegante, essa roupa é o quimono. Lutadores de todas as faixas e gerações lotavam a Academia. Desde os bem jovens, até os maduros, todos estavam ali, empenhados em festejar o aniversário do homem que era um símbolo da arte marcial que praticavam. Havia um clima muito respeitoso no ambiente. Sabe aquele respeito que as pessoas adotam quando estão dentro de um templo religioso? Era algo assim. Um comportamento quase formal, cerimonioso. Os atletas fizeram uma fila para tirar fotos ao lado do Mestre que, paciente e sereno, atendia a todos e os tratava com carinho paternal.
Havia um clima jovial na comemoração. Parecia uma festa de criança. Na hora de cantar o Parabéns pra você um harmonioso coro de vozes masculinas entoou a tradicional canção de aniversário com muita energia e vigor. Depois o aniversariante partiu o bolo que trazia um triângulo com o símbolo da Academia Gracie e, nas laterais, a palavra Jiu-jitsu. Com a gula singela de crianças numa festa de aniversário, cada lutador fez questão de comer um pedaço daquele bolo, acompanhado de copos de guaraná.
Apenas três dos filhos do Senhor Hélio estavam na comemoração, já que os demais moram no exterior. Royler e Rolker, que dirigem a Academia Gracie do Humaitá, e o lendário Rickson Gracie, o grande campeão. Durante a comemoração Rickson fez um discurso em homenagem ao pai e ressaltou o Jiu-jitsu como um elemento para a formação moral e espiritual do cidadão, seja homem, mulher ou criança. Depois o Senhor Helio impressionou a todos com a firmeza e segurança do seu discurso.
Conheci o Senhor Hélio Gracie quando ele fez 90 anos. Na ocasião fiz uma reportagem para o Caderno H, do Jornal do Brasil, sobre a data. A entrevista foi feita na mesma Academia do Humaitá, onde foi comemorado seu último aniversário. Só que, naquela vez, estávamos apenas eu, ele, seu filho Royler e Jonas Cunha, o fotógrafo do JB. O Senhor Hélio foi muito gentil e conversamos bastante. Fiquei impressionado que ele tivesse vindo de Teresópolis sozinho, dirigindo seu próprio carro. Durante a entrevista ele fingiu que ia me dar um golpe, e eu me assustei, então ele riu e disse que queria testar meu reflexo. No nosso bate-papo ele contou sobre seu cotidiano no sitio. Disse que no sossego do seu lar passava o tempo refletindo sobre a vida e que depois gostava de escrever suas reflexões.
Enquanto a gente conversava, Royler foi ao vestiário trocar de roupa, vestir o quimono, já que ia posar para fotos ao lado do pai. Royler ficou um tempo se trocando e quando saiu do vestiário ele estava lindo. Todo elegante, com um quimono impecável, o cabelo arrumado. O Senhor Hélio olhou para o filho e falou num tom brincalhão: “Nossa! Você se arrumou todo. Quer sair bonito no jornal, não é?”. Royler é casado e pai de quatro filhas adolescentes. E no meio da entrevista, por causa de alguma coisa que estávamos conversando, o Senhor Hélio lembrou de dar um aviso para o filho. Ele disse: “Quero que você leve suas filhas lá no sítio. Preciso ter uma conversa com elas. Uma conversa de avô para netas”.
Depois o pai e o filho improvisaram golpes de Jiu-jitsu enquanto Jonas Cunha fazia as fotos, que ficaram lindas. Foi uma tarde inesquecível. Foi um privilégio ouvir as histórias daquele homem sábio e vitorioso e observar de perto sua serenidade e juventude espiritual.
Descanse em paz, Hélio Gracie. Descanse em paz...
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