11.3.09

VIVER BEM É A MELHOR VINGANÇA Wilma Lessa foi destaque na edição comemorativa do Dia Internacional da Mulher do jornal Folha de Pernambuco, que fez bela reportagem sobre a radialista e publicitária, num texto assinado pela jornalista Duda Martins. A homenagem foi mais do que merecida. Afinal, Wilma Lessa foi uma líder feminista que enfrentou com muita tenacidade e valentia o machismo em Pernambuco, o estado brasileiro com o maior índice de violência contra a mulher. Não é por acaso que o escândalo da menina de 9 anos violentada pelo padrasto aconteceu em Pernambuco. Episódios como esse fazem parte da cultura machista do lugar.

Durante toda a sua vida (ela morreu em 2004 aos 51 anos) Wilma denunciou crimes como esse. O machão pernambucano tem a mentalidade de um cangaceiro. Acha que a mulher existe apenas para servir aos baixos instintos do homem. As agressões físicas, morais e sexuais são uma constante na vida da mulher pernambucana. E Wilma Lessa, desde muito jovem, enfrentou os machões do estado com garra e tenacidade. E pagou um preço muito caro por isso. Foi perseguida, ameaçada, mas nunca desistiu de seus princípios.

Desde de 2001 existe no Recife o
Centro Wilma Lessa um serviço que presta socorro às mulheres vítimas de violência. Com uma estrutura especializada para esse tipo de atendimento, o Centro Wilma Lessa funciona na emergência do Hospital Agamemnon Magalhães. Na entrada, há a recepção onde é feita uma triagem pela assistente social e, em seguida, vem um consultório médico com sala de exame, um posto de enfermagem, sala de atendimento psicológico, quarto de repouso para as pacientes e espaço para descanso dos profissionais plantonistas. Entre as ações prestadas estão o fornecimento de pílulas do dia seguinte para casos de estupro, orientação sobre os direitos, tratamento médico e psicológico. As pacientes ainda passam por um acompanhamento para realização de exames no Instituto Médico Legal e para prestar queixa na Delegacia da Mulher. Caso elas desejem denunciar os agressores, o sigilo total das informações é garantido. O serviço inclui ainda os protocolos contra DST’s e aborto, previsto em lei. Tipos de serviço que são rigorosamente analisados por uma junta médica.

Wilma Lessa sempre foi uma mulher muito livre. Era culta, inteligente e bem humorada. Tinha uma alegria de viver muito grande. Adorava ler. Lia de forma quase obsessiva. Vivia cercada de livros. Vaidosa, estava sempre bem vestida, maquiada e produzida. Adorava pulseiras. Isso era muito marcante, já que ela gesticulava muito ao falar, e suas pulseiras chamavam atenção. Tinha a pele imaculadamente branca. Mas não tinha nenhum problema com o sol.

Quando a conheci eu tinha acabado de completar 16 anos. Eu já tinha ouvido falar nela através de amigos meus que a tinham conhecido numa festa e a tinham detestado. “Que mulher insuportável”, dizia um. “É uma burguesa metida a intelectual”, dizia outro. Todos reclamavam da postura crítica que ela tinha com relação ao mundo, aos homens e a política. E tinham ficado chocados por ela ter dito que a mais perfeita relação sexual era a masturbação. Ela debochava muito da esquerda e dizia que todos os homens eram machistas e reacionários, independente do fato de serem de esquerda ou direita. Wilma era uma figura.

Dias depois eu a conheci num bar que todo mundo freqüentava. Notei uma mulher que falava sem parar no meio de um grupo até que alguém falou o nome dela. Então lembrei que era a mulher que meus amigos haviam odiado. Tomei um drinque, depois me aproximei dela. “Então você é a famosa Wilma Lessa?”. Ela me olhou e sorriu. “Famosa? Como assim?”. Então eu contei dos comentários dos meus amigos a respeito dela. "Adorei a sua afirmação sobre a masturbação. Concordo plenamente", disse eu, na pureza dos meus 16 anos. Wilma riu muito. “Eles não agüentaram a minha sinceridade, não é mesmo? Nunca pensei que uma simples afirmação numa festa pudesse render tanta polêmica”.

Nós ficamos conversando a noite inteira, bebendo uma cerveja atrás da outra. Ela me falando das suas idéias sobre o mundo e a sociedade. E eram idéias e conceitos que eu compartilhava. Eu concordava com tudo o que ela dizia. “Os homens de esquerda são tão escrotos com as mulheres quanto os homens de direita”. Hoje todo mundo já sabe que isso é verdade. Mas na época da minha adolescência isso era uma opinião muito forte, já que os homens de esquerda eram considerados intocáveis. O fato é que naquele dia, durante aquela conversa, surgiu uma grande amizade entre a gente. Uma amizade tão forte que, anos depois, quando teve um filho, Wilma fez questão que eu fosse o padrinho da criança.

Naquela mesma noite, depois que o bar fechou, fui deixá-la em casa. Então ela me convidou para tomar um último drinque no seu apartamento, no último andar do edifício mais alto de Recife. Quando cheguei lá, minha primeira impressão marcante. Na porta do apartamento havia o desenho de uma borboleta. E embaixo da borboleta estava escrita a frase “Viver bem é a melhor vingança”. Naquele período essa frase era sua filosofia de vida.

Freqüentei muito o apartamento de Wilma Lessa no Edifício Apolo. Nós tínhamos uma impressionante afinidade intelectual. Adorávamos livros. Ela era apaixonada por escritores latinos americanos. Amava Puig, Vargas Lhosa, Garcia Marques. Foi ela quem me falou pela primeira vez de Pedro Páramo, romance de Juan Rulfo que até hoje é um dos meus livros favoritos. “Você precisa ler esse livro”, me disse ela. E enquanto sorvia um gole de San Raphael, sua bebida favorita, ela lia trechos do livro para mim.

Meus amigos não entenderam nada. De uma hora para outra eu havia me transformado no melhor amigo daquela que todos consideravam uma louca alienada e fútil. Andava com ela pra todos os lugares. Íamos a lançamentos de livros, vernissages, seções de filmes de arte. E quase sempre acabávamos à noite tomando um último drinque no apartamento dela. Chegando lá ela sempre colocava um disco da Ornella Vanoni pra tocar, preparava doses de San Raphael e começa a retirar a maquiagem (isso era um ritual) enquanto conversávamos sobre tudo. A vida, a política, os sonhos e os livros. Quando acabava o disco da Ornella Vanoni ela colocava algo como a trilha sonora do filme Borsalino, ou um álbum do Astor Piazolla.

Eu admirava sua energia, sua beleza, seu bom humor, sua liberdade e sua alegria de viver. Ela era uma mulher formidável. Uma garota genial. Seu comportamento livre e rebelde às vezes lhe causava problemas. Mas ela nunca abriu mão da sua maneira de ser. Com o tempo Wilma Lessa começou a levar seu feminismo mais a sério. Ela se profissionalizou no feminismo e começou a lutar pelos direitos da mulher de modo mais engajado. Fundou uma organização chamada Viva Mulher e participou da criação da primeira Delegacia de Mulheres de Pernambuco. Tinha um programa de rádio onde dava conselhos e dicas para as vítimas da violência. E acabou se tornando uma pessoa famosa no Estado.

Madonna vem aí...

 

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