COMO ERA TRISTE A CHINESA DE GODARD – Que fim levou Bret Easton Ellis? Essa questão me veio à cabeça quando estava lendo a segunda ou terceira página do livro de Rodrigo Fonseca Como era triste a chinesa de Godard. É que o romance de Fonseca me lembrou o frescor juvenil de Abaixo de Zero, o desconcertante romance de estreia de Easton Ellis, que marcou minha juventude com sua linguagem modernosa e seus personagens que pareciam meus colegas de faculdade. Não. O livro de Rodrigo Fonseca não tem nada a ver com o livro de Easton Ellis. Mas, talvez a narrativa, cheia de citações e referências à cultura pop da Chinesa de Godard tenham me trazido à lembrança o universo mágico de Abaixo de Zero.
A chinesa de Godard é um libelo existencialista sobre o subúrbio carioca. A Vila da Penha, para ser mais preciso. Fonseca conta a sua história despejando na sensibilidade do leitor uma seqüência infindável de citações, referências, sentimentos, angústias, paixões e emoções. Uma verdadeira metralhadora giratória que reinventa o existencialismo aos pés dos subúrbios da Leopoldina. Com talento o autor se revela um inteligente manipulador de palavras. No livro a escrita, por si só, é mais importante do que a história que está sendo contada. Os sentimentos dos personagens, assim como os rumos da história, são desenhados a partir de um caleidoscópio de rabiscos literários. Como se a narrativa fosse um grande poema épico. Na verdade, mais do que um pequeno romance, A chinesa de Godard é uma epopéia dos tempos modernos, com um sabor carioca, mas temperado com pitadas de Hollywood.
O livro é narrado por um certo Renato Etcétera, alter ego de um personagem misterioso, apaixonado por uma mulher chamada Adriana Lee, que ele chama de “a chinesa de Godard”. Etcétera é um sujeito angustiado, que não consegue se realizar no amor. “Como é triste uma cama de casal ocupada de um lado só”, escreve ele para Júlio e Mônica, os personagens a quem toda a narrativa é enderaçada. Em momento algum ele esclarece quem são Júlio e Mônica, mas é possível deduzir que esses personagens são os alter egos dos leitores do livro. A paixão mal resolvida pela chinesa de Godard enche o personagem de melancolia e o leva a mergulhar num delírio que mistura personagens da literautra brasileira com clássicos do cinema americano e um punhado de trechos de canções que vão de Itamar Assunção a Depeche Mode, passando por Jair Rodrigues, Jaques Brel e Perry Como.
Com seu estilo “nouvelle vague” de ser, Rodrigo Fonseca constroi a sua literatura com a mesma liberadade criativa com que Jean Luc Godard faz o seu cinema. Para o autor, não basta apenas escrever. É preciso fazer o leitor refletir sobre as possibilidades da literatura. É assim que Godard faz com seu cinema, quando questiona a relação do espectador com suas imagens em movimento. Antenado com a cultura do século 21, o escritor Rodrigo quer cutucar, como se faz no Facebook, a sensibilidade do seu leitor. Assim, com sua Chinesa de Godard o autor faz uma bela estréia na literatura brasileira.
Trecho do romance Como era triste a chinesa de Godard:
Era a meta do Bonsucesso Blues se tornar uma réplica do Museu do Homem na riviera leopoldinense. Suprir de hemácias frescas o sangue de poeta nas veias de meninos aspirantes a Picasso. Nas paredes, ele aplicou Frank Miller como cortina. Decorou vitrais com recortes de Matisse de Os gênios da pintura. Tirou Bracque de um livro da sexta série. Do segundo grau vieram reminiscências de Dali. Alguns conselhos de Ferreira Gullar também foram de grande-valia, que só acabou quando seu Edgard virou o porteiro oficial da obra. Era inquieta a pulsão que o movia. Buscapés coroavam-lhe os calcanhares, protegendo-o do frio. Mas o Bonsucesso Blues teve seus dias de Champs-Èlysées contados num ábaco comprado nas Casas Pedro. O que nasceu galeria, findou-se gafieira, co dança de salão aberta ao público e pista de atletismo fechada para balanço. Remo, desarmado e perigoso corria em reprises no Intercine quando os pedidos de suporte público para editais pictóricos foram vencidos, restando caixas de som no lugar de rascunhos de Renoir. Na era da reprodutividade técnica, Benjamin era o nome do vizinho baleiro, que adoçava lábios murchos com a chamada Xereca da Xuxa, m doce de leite em formato vulva, próprio para pré-punheteiros.
O estatuário do Bonsucesso Blues não dava lugar às instalações que Etcétera ambicionava nas noites de Lua Cheia. Por tédio fatal da imortalidade, ele sonhava com modelos de Alex Raymond voando para Mongo em foguetes movidos a gás de cozinha, pois butano é um símbolo da democracia. Mas, coitado, ficou só com balões rosados comprados na Magal e alguns extintores de última moda de CO2. Foi por sina que o último presente que a Chinesa lhe deu foi um chaveirinho de Klimt, acompanhado de um drops de balas kids sabor café.
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