UMA LÁGRIMA PARA CLEYDE YÁCONIS –
Só assisti uma única peça com Cleyde Yáconis, O Baile de Máscaras, escrita e
dirigida por Mauro Rasi. Foi uma das melhores
peças de teatro que já vi. Uma conjunção perfeita de texto, direção e elenco. Cleyde esteve sensacional no papel inspirado em Mimina
Roveda, uma das donas do Teatro dos Quatro, que era retratada na peça. O Baile
de Máscaras contava a história de um grupo de artistas e intelectuais que,
durante o Carnaval, por não gostar da festa popular, se trancavam num
apartamento do Alto Leblon para assistir ao filme Berlim Alexanderplatz, de
Fassbinder, que tem quinze horas de duração. A peça era uma encenação das
tradicionais maratonas cinéfilo-gastronômicas organizadas pelo diretor Sergio
Britto que, por não gostar de carnaval, reunia os amigos em seu apartamento
para assistir clássicos do cinema e degustar os magníficos pratos da culinária
brasileira, preparados com esmero por sua empregada. Desse episódio da vida
real, que por várias vezes participou, Mauro Rasi construiu umas das mais belas
peças do teatro brasileiro.
Cleyde Yáconis ganhou todos os prêmios
de teatro por sua atuação. Ela entrou no elenco apenas dez dias antes da estreia.
A personagem seria interpretada originalmente por Beatriz Segall, mas houve uma
grande briga nos ensaios e a Segall abandonou o espetáculo em meio a
uma virulenta discussão com Daniel Dantas que começou no palco do Teatro dos Quatro,
continuou na platéia vazia e se estendeu pelos corredores e escadas rolantes do
shopping da Gávea, para deleite dos que faziam compras naquele momento. Sem
medo de ser feliz, Cleyde Yáconis aceitou o convite de Mauro Rasi para substituir Beatriz e encarou o
desafio de decorar o texto, as marcações de cena e as indicações do diretor,
que já vinha ensaiando a peça há seis meses. Que tal?
Sua personagem era uma mulher da
alta aristocracia italiana, culta, inteligente e sofisticada, que encarava
com fascínio e repulsa o estilo de vida carioca, a cultura carnavalesca e o
jeitinho brasileiro. Um outro personagem, vivido por Sergio Viotti, era
inspirado no Sérgio Brito. E o personagem do Daniel Dantas, era o próprio Mauro
Rasi que, com muita irreverencia, debochava de si mesmo. O cenário era o de uma residência elegante, com colunas e vitrais, mas cheio de prateleiras com
fitas de vídeo. Aquelas antigas, tipo VHS, já que o anfitrião, personagem do Viotti,
era um cinéfilo inveterado que tinha cópia de todos os clássicos do cinema.
O magnífico texto de Rasi
reservou falas sensacionais para o personagem da Cleyde. O público ria muito
com suas tiradas, suas pausas, seu olhar... Que atriz magnífica! Eu me sinto um
privilegiado por ter tido a oportunidade de assistir ao vivo o encontro desses
dois gênios do teatro brasileiro, Mauro Rasi e Cleyde Yáconis.
Também tive a oportunidade de
conhecer a Cleyde Yáconis de perto e de trocar algumas palavras com ela em
diversas ocasiões, mesmo que rapidamente. Certa vez, quando ela atuava na
novela Olho no Olho, de Antonio Calmon, eu dei uma carona para ela do Projac até
seu apartamento em
Copacabana. Na época eu trabalhava com o Calmon e tinha ido
ao estúdio acompanhar a gravação de algumas cenas. Quando estava me
despedindo dos artistas que eu tinha mais intimidade, a Bel Kutner me pediu
para dar uma carona para ela. “Você pode
deixar a Cleyde em casa? Ela já gravou todas as cenas dela e está esperando que todo mundo acabe de gravar pra
poder ir embora no carro da produção”, me disse Bel, mostrando a Cleyde
quietinha, lendo um livro na sala dos atores. Então nesse dia, enquanto dirigia
meu velho carro, pude dizer para ela o quanto eu tinha gostado da peça O Baile
de Máscaras, o quanto eu tinha vibrado com o seu trabalho e o quanto eu
achava o Mauro Rasi importante para o teatro brasileiro.
O Antonio Calmon adorava a Cleyde. Tanto que a escalou
para as novelas Vamp e Olho no Olho, e também para a minissérie Sex-Appeal, que
lançou as atrizes Luana Piovani, Camila Pitanga, Carolina Dieckman e Danielle
Winnits. Em Sex-Appeal Cleyde
Yáconis contracenava com Walmor Chagas,
recentemente falecido. Eles faziam um casal que era dono de uma agência de
modelos. Os personagens foram inspirados em Luiz Carlos e Lucy Barreto, os grandes produtores do cinema brasileiro.
Bel Kutner tinha uma relação muito bonita com a Cleyde. Elas se conheceram nas
gravações da novela Vamp. Bel uma menina fazendo sua primeira novela. As duas
ficaram muito amigas e a Bel a tratava sempre com muito carinho, muito respeito
e muita reverência. Voltaram a trabalhar juntas em Olho no Olho e chegava a ser comovente o carinho que Bel nutria pela colega.
Na época da novela Olho no Olho
aconteceu um episódio que me provocou muitas risadas. Além da Cleyde Yáconis a
novela tinha em seu elenco outra grande dama do teatro brasileiro, a Eva Tudor.
Então certa vez a Eva ligou para falar com o Calmon, mas como na hora ele
estava escrevendo os capítulos, me pediu para atendê-la. Olho no Olho tinha
acabado de estrear e a Eva Tudor ligou para reclamar que, na abertura da novela,
o nome da Cleyde Yáconis aparecia antes do nome dela. “Meu filho, você explica
para o Calmon que o nome da Cleyde não pode aparecer antes do meu. Afinal, ela
só ganhou dois prêmios Molière. E eu ganhei três.”
Descanse em paz, querida Cleyde! Descanse em paz...
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