O caráter não é esculpido em mármore, não é algo sólido e inalterável. É algo vivo e mutável, e pode tornar-se doente, como se torna doente o nosso corpo.
UMA HISTÓRIA ELETRIZANTE – Os fãs e admiradores de uma boa história policial não podem deixar de ler A Caça, romance policial de Jussi Adler-Olsen que a Editora Record acaba de mandar para as livrarias. Uma história instigante sobre uma juventude mais que transviada ambientada numa Dinamarca aparentemente moderna e civilizada. Tudo começa quando um informante misterioso passa a enviar para a polícia de Copenhaguenovas provas sobre um crime já solucionado há duas décadas: a morte violenta de um jovem casal de irmãos adolescentes. As evidências obrigam a polícia a reabrir o caso e seguir as pistas que os levam até os colegas de classe do colégio onde os jovens, todos de famílias ricas, estudavam. Passados vinte anos, os colegas de turma das vítimas se transformaram em empresários bem sucedidos, que souberam aumentar as fortunas da família. Eles agora são figuras da alta roda, influentes no mercado financeiro, na indústria da moda e personagens das colunas sociais.
Através
de algumas evidências o detetive Carl Morck descobre que o homem que assumiu a
autoria dos crimes é inocente e decide descobrir a verdade. Quando começa a investigar
a vida pregressa dos antigos colegas de classe das vítimas recebe ordens de
seus superiores para esquecer o caso. Mas quando isso acontece o detetive Morck
já ficou sabendo demais sobre a podridão que envolve aquele crime, resolve
ignorar a ordem de seus superiores e decide continuar a investigar por conta
própria. Sempre em companhia de Assad, seu assistente, um iraquiano irreverente
que ele não sabe direito como foi parar na Dinamarca.
Ao
mesmo tempo em que narra os conflitos do detetive com a estrutura do departamento
policial em que trabalha, o romance conta a história dos amigos das vitima:
Torsten, Ulrik, Kimmie e o macabro Ditlev Pram, um personagem fascinante que dá
um tom mais tenso e perverso a trama. O livro ganha fôlego quando narra as
travessuras daqueles jovens ricos de Copenhague, tanto no passado, quanto no
tempo presente. Certa vez foram flagrados por um colega careta fumando maconha
num bosque ao lado do colégio onde estudavam Quando o tal colega ameaça contar
o que viu ao diretor é alvo de agressões
tão violentas, que a família decide leva-lo para fora do país. É nesse episódio
que os jovens descobrem o gosto pela prática de atos de violência gratuita, que
vai num crescendo até resultar na morte dos irmãos.
A
violência para eles se torna uma obsessão, um esporte que eles precisam
exercitar regularmente. E essa violência se manifesta de diversas maneiras. Ricos
e elegantes, eles se reúnem para caçar faisões na floresta, demonstrando um grande
prazer em abater as aves com tiros certeiros. Ou então atacam pessoas indefesas
no meio da noite usando luvas, capotes e máscaras assustadoras. Eles são ricos,
poderosos e acham que estão acima do bem e do mal.
Numa
determinada cena Ditlev Pram, depois de cheirar vários papelotes de cocaína,
liga para seu amigo Ulrik e diz: “hoje nós precisamos assistir aquele
filme”. Ulrik tenta dissuadi-lo, pois
sabe que depois de assistir ao tal filme, eles vão se sentir estimulados a
praticar seus jogos de violência e agora não é o momento, já que sabem que a
polícia resolveu investigar o caso dos irmãos assassinados. Ditlev Pram insiste
e eles se reúnem para ver o tal filme. E só então o leitor fica sabendo que o
filme que tanto os excita e perturba é “A laranja mecânica”, o clássico de
Stanley Kubrick. E é ali que eles buscam inspiração para a vida desprezível que
levam.
Os
males da mente humana é a matéria prima do livro de Jussi Adler-Olsen. Tanto os
policiais encarregados da lei e da ordem, quanto os ricos desordeiros que dão
fôlego a história são personagens atormentados por traumas, angústias e
carências profundas. Personagens que nos mostram a sociedade dinamarquesa num nível
de tensão que parece pronta a explodir e se transformar em algo tão terrível
quanto o nazismo.
A
caça é um romance inteligente, de um autor que demonstra em cada capítulo uma
grande paixão pelo que faz. Jussi Adler-Olsen quer instigar o leitor e faze-lo encarar o lado
mais negro e perverso da mente humana. Mas não faz isso provocando angústia e
sofrimento. E sim ofertando ao leitor o prazer de saborear uma boa história.
OS MATADORES DE FAISÃO - O livro A caça, cujo título original dinamarquês é "Os matadores de faisão" (um ótimo título, por sinal, muito adequado à trama) já ganhou uma versão para o cinema que recebeu o título em inglês de The absent one. A seguir um trecho do livro.
Um
corredor de vidro de 100 metros se estendia pela paisagem da clínica até sua
mansão, tornando possível atravessar os jardins sem molhar os pés e, apesar
disso, desfrutar da visão do mar e das lindas faias. Ele havia trazido a ideia
do Museu de Arte Moderna de Louisiana. Só que em suas paredes não havia obras
de arte penduradas.
Thelma
parecia ter preparado minunciosamente sua aparição. Era ótimo ela não ter vindo
a seu escritório. Ele odiava quando alguém testemunhava as cenas dela. Os olhos
da mulher estavam tomados de ódio.
-
Falei com Lissan Hjorth
-
Ah, sim. Demorou para fazer isso. Você não deveria estar em Aalborg com sua
irmã?
-
Não estive em Aalborg, fui a Gotemburgo. E não com a minha irmã. Lissan contou
que vocês atiraram no cachorro.
-
O que quer dizer com “vocês”? Digo apenas que foi uma fatalidade. O cachorro
não obedecia e ficava correndo entre as caças. Eu tinha alertado Hijorth. O que
você estava fazendo em Gotemburgo?
Sombras
se desenharam na testa de Thelma. Apenas uma personalidade inacreditavelmente
nervosa conseguia enrugar a pele do rosto esticada ao máximo por cirurgias
plásticas. Thelma Pram possuía esse dom.
-
Você deu meu apartamento de Berlim de presente a Saxenholdt, aquele fracassado.
“Meu” apartamento, Ditlev.
Ela
apontou o dedo para ele.
-
Essa foi a última caçada de vocês, entendeu bem?
Ditlev
Pram deu alguns passos rápidos na direção dela, procurando intimidá-la.
- Você nunca usou o apartamento, usou? Seu amante não queria ir até lá com você, certo?
Ele sorriu.
- Você não está ficando velha demais para ele, Thelma?
Ela ergueu a cabeça aceitando os insultos com uma tranquilidade espantosa.
- Você não sabe o que está falando. Dessa vez se esqueceu de colocar seu capanga no meu encalço, não é? Parece que você nem sabe com quem estive em Gotemburgo!
Então Thelma riu. Surpreso, Ditlev ficou paralisado.
- O divórcio vai sair caro, Ditlev. Você faz coisas estranhas. Quando os advogados estiverem envolvidos no caso, elas vão custar muito caro. Seus jogos perversos com Ulrik e os outros. Por quanto tempo você acha que eu vou omitir isso de graça?
Ditlev sorriu. Era um blefe. Ele fixou os olhos no pescoço de Thelma. Sabia bem a força que devia usar para golpeá-la. E onde aplicá-la.
Nenhum comentário:
Postar um comentário