Muitos
filmes já foram produzidos tendo o próprio cinema como tema principal.
Clássicos como Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder, O dia do gafanhoto, de
John Schlesinger ou mesmo A noite americana, de François Truffaut. Retratos
Fantasmas é um desses filmes. Um mergulho nas peculiaridades do próprio cinema
tendo como resultado um filme comovente e definitivo.
Crepúsculo
dos deuses mostra a decadência de uma grande estrela de Hollywood. O dia do gafanhoto
narra a vida dura dos figurantes que sonham com um personagem que tenha pelo
menos uma fala. A noite americana mostra os bastidores da realização de um
filme. Retratos Fantasmas trata das antigas salas de cinema onde filmes de cineastas
como Wilder, Schlesinger e Truffaut foram exibidos num passado nem tão distante,
encantando e fazendo sonhar multidões de apaixonados por filmes em todo o
mundo. Numa época em que não havia videocassete,
nem DVD, nem internet, nem cinemas de shopping, os filmes eram exibidos em
grandes salas de exibição construídas especialmente para essa finalidade. As
salas eram verdadeiros templos. E curiosamente, muitas delas hoje se transformaram
em igrejas.
Os
novos tempos, a TV e a tecnologia criaram novas formas de assistir filmes, que
acabaram deixando as grandes salas obsoletas. Com o advento das TV´s de alta
definição, qualquer um pode ter um cinema no conforto de sua casa. Mas o imenso
prazer de sair de casa e se dirigir a um templo para assistir uma película na
sala escura, ao lado de pessoas desconhecidas, está ficando cada vez mais raro.
Os
chamados “cinemas de rua” faziam parte do apreço pela sétima arte nos idos do
século 20, algo que acabou com a chegada do admirável mundo novo que é o século
21.
Retratos
Fantasmas se debruça sobre esse fenômeno, que é internacional, a partir dos
cinemas que existiam em Recife, cidade natal do diretor. O filme comove e
emociona ao fazer uma investigação apaixonada sobre o processo de decadência
dos grandes cinemas de rua, ao mesmo tempo em que exerce a função primordial de
qualquer filme que é encantar e divertir a plateia. Com um saboroso clima de
nostalgia, mas sem ressentimento, o filme mostra o que restou e em que se tornaram
alguns dos melhores cinemas do Recife. Salas imensas que lotaram multidões numa
época em que os grandes campeões de bilheteria tinham títulos como Doutor
Jivago, Ben Hur, Um homem uma mulher, Inferno na Torre, Os brutos também amam,
Perdidos na noite, Love Story, O exorcista, Casablanca e tantos outros. No lugar
de cinemas como o Trianon, Veneza, Moderno, Art-Palácio, Ritz, Pathé, Astor,
Eldorado e Coliseu entre outros, o que existe são igrejas, farmácias, depósitos
e supermercados. Ou então prédios deteriorados, abandonados e caindo aos pedaços.
Esse é o caso do Art Palácio, que marcou época exibindo El Cid, Barbarella e Os
girassois da Rússia. O interior dessa sala é mostrado já em decadência, mas
onde ainda é possível observar o luxo que foi no passado. Numa entrevista
comovente o encarregado de projetar os filmes durante décadas se queixa que
alguns filmes ficavam muito tempo em cartaz. Ele faz rir quando lembra que foi
um sacrifício ter que ficar projetando cinco sessões diárias de O poderoso
chefão durante quatro meses.
Outro
grande momento são as cenas da inauguração do luxuoso cine Veneza, em dezembro
de 1970, com uma badalada sessão do filme Aeroporto. O dono do cinema, Luiz
Severiano Ribeiro, criador da máxima de que “cinema é a melhor diversão”,
aparece recebendo todo o high society
recifense, incluindo o então governador de Pernambuco Nilo Coelho, acompanhado
da primeira-dama. Com seus lustres
imensos, escadarias, tapetes vermelhos e uma suntuosa sala de espera, o Veneza
marcou época exibindo campeões de bilheteria como O outro lado da meia noite, Sissi,
a imperatriz, O grande Gatsby, A dama do lotação, Ainda agarro essa vizinha e
Hair. Na seqüência vemos a sala nos dias de hoje, apenas um galpão abandonado
que parece um lugar mal assombrado, como se fantasmas da velha Hollywood
andassem por ali, em busca do aplauso de algum cinéfilo desesperado.
Retratos
Fantasmas é o filme de uma vida dedicada ao cinema. A vida do diretor Kleber
Mendonça Filho, um gênio do cinema brasileiro. Na primeira parte ele mostra as
imagens que fazia quando garoto, do apartamento onde morava com a família, na
praia de Boa Viagem. E quem viu seus filmes vai perceber de onde saíram os
personagens e as tramas de clássicos como O som ao redor e Aquarius. Ele exibe
cenas antigas do lugar, inclusive quando a cidade recebeu a visita de Tony
Curtis e Janet Leigh com o intuito de promover o cinema de Hollywood no
nordeste. Era um lugar charmoso e quase paradisíaco. Na seqüência o filme nos
revela como Boa Viagem está nos dias de hoje, dominada por arranha-céus
assustadores. Essa introdução serve para preparar o espírito do espectador para
o que ele vai ver, e para lembrar que as mudanças são inevitáveis e não há nada
que possamos fazer a esse respeito.
Em
Retratos Fantasmas tudo é assim: belo e mágico. Tudo é cinema. E o cinema é
mesmo a maior diversão.
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