Piedade
O coração de todo o ser humano
Foi concebido para ter piedade,
Para olhar e sentir com caridade
Ficar mais doce o eterno desengano.
Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade,
De consolo e de afeto soberano.
Sim! Que não ter um coração profundo
É os olhos fechar à dor do mundo,
ficar inútil nos amargos trilhos.
É como se o meu ser campadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!
Benditas cadeias!
Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mágico Noivado.
Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cândidos momentos...
Meus olhos, minha boca vão sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.
Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.
De ver minh'alma com tais sonhos, tantos,
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos prantos
O Coração
O coração é a sagrada pira
Onde o mistério do sentir flameja.
A vida da emoção ele a deseja
como a harmonia as cordas de uma lira.
Um anjo meigo e cândido suspira
No coração e o purifica e beija...
E o que ele, o coração, aspira, almeja
É o sonho que de lágrimas delira.
É sempre sonho e também é piedade,
Doçura, compaixão e suavidade
E graça e bem, misericórdia pura.
Uma harmonia que dos anjos desce,
Que como estrela e flor e som floresce
Maravilhando toda criatura!
(Poemas de Cruz e Sousa + fotos de Bruce Weber)