1.11.10

O cuidado em ouvir é o caminho mais curto para o saber.




NAVEGAR É PRECISO – Era uma linda manhã de sábado. O sol brilhava por entre nuvens esparsas e uma brisa suave soprava do oceano. Parecia um dia perfeito para um passeio de barco. Quando cheguei no Iate Clube do Rio de Janeiro o Apeiron já estava no ancoradouro pronto para zarpar. Apeiron. Esse é o nome do barco do Maurício, um velho amigo, que pilotava a embarcação com sua mulher Andréia. Além de nós, mais um casal, Dulce e Marcelo Bundchen, primo da Gisele.


Um passeio de barco num sábado ensolarado. Era tudo o que a gente precisava no início do feriadão, véspera da eleição presidencial. Logo o Apeiron estava navegando na Baía da Guanabara. Uma imagem de sonhos se descortinava aos nossos olhos. A enorme pedra do Pão de Açúcar dando um ar imponente ao bairro da Urca. Ao longe a silhueta montanhosa e o Cristo Redentor lá no alto. “Como é linda essa cidade”, não se cansava de exclamar a gaúcha Dulce, com sua voz cheia de sotaque. A linda paisagem que se via só fazia ratificar as palavras da gaúcha.


Como o vento estava suave Maurício ligou o motor do barco, que adquiriu velocidade, e logo estávamos em mar aberto. Eu me divertia ajudando Maurício a pilotar, enquanto as mulheres se espreguiçavam no convés e Marcelo pegava cervejas na geladeira. Bebíamos, comíamos canapés e navegávamos no oceano tranquilo. No alto mar Maurício desligou o motor e içou as velas. Agora não havia mais o ruído do motor e tudo pareceu perfeito. Velejávamos ao sabor dos ventos. Com habilidade Mauricio nos levou até a Praia de Itaipu, em Niterói. Ali mergulhamos, nadamos até a praia, comemos camarões fritos e bebemos muitas cervejas. O sábado se revelava um dia maravilhoso para todos nós.


Quando voltamos para o barco, depois da parada na Praia de Iatipu, um vento diferente começou a soprar. “O tempo está virando”, comentou Maurício, mirando o horizonte. Logo o mar começou a ficar agitado e um vento forte começou a soprar agitando as velas e balançando o barco. Foi tempo de içar a âncora e zarpar de volta ao Iate Clube. E, se o início do passeio foi como um sonho, não seria exagero dizer que a viagem de volta foi como um pesadelo. O mar foi ficando cada vez mais agitado, com ondas enormes que pareciam querer engolir o barco. Do Iate Clube passaram um radio para todos os barcos que tinham zarpado de lá. “Perigo no mar”, uma voz metálica ecoou pelo barco, aumentando ainda mais meu nervosismo. “Waldir, põe um colete salva-vidas”, ordenou Maurício, segurando o leme com uma mão e na outra uma lata de cerveja, me deixando definitivamente em pânico.


As ondas foram ficando cada vez maiores. E entre elas surgiam cavidades que pareciam querer sugar o barco para as profundezas. A embarcação era jogada de um lado para o outro num ritmo frenético. Eu estava apavorado com aquela sucessão de emoções fortes. Mas os dois casais que estavam comigo pareciam se divertir com aquilo tudo. Eles não paravam de beber e davam gritos de farra quando uma onda maior fazia as velas do barco quase encostar nas águas do oceano. “Fica tranqüilo, Waldir, se o barco virar a gente nada até o litoral”, gritava o primo da Gisele, dando gargalhadas, enquanto eu o fuzilava com um olhar de ódio.


“Quer uma cerveja, Waldir?”, me perguntava Maurício, quando uma onda gigantesca avançou sobre o barco e lançou um incrível jato de água sobre o meu rosto. “Não, Maurício, eu não quero cerveja! Eu quero terra firme!”, respondi sem conseguir esconder o pânico e a irritação. Maurício sorria sem parar, parecendo estar se divertindo muito com tudo aquilo. “Fica tranqüilo que esse barco é inglês e ele não vira nunca”, disse ele quando, mais uma vez, uma onda enorme quase vira o barco. Logo começou a chover, aumentando a sensação de frio provocada pelo vento.


Os minutos pareciam intermináveis naquela tarde de sábado. Eu ansiava por terra firme mas, ao mesmo tempo, conseguia perceber uma beleza muito grande naquele movimento do mar. Aos poucos fui percebendo que a melhor maneira de lidar com aquela situação era me deixar levar pelas ondas. Não reagir ao seu movimento, nem mesmo emocionalmente. Certos estavam meus amigos ao encarar aquilo como um privilégio. Uma oportunidade rara de diversão que a natureza estava proporcionando. Aos poucos fui ficando mais calmo e aceitando com serenidade as ondas, a chuva e o vento. E foi assim que chegamos de volta à Baía da Guanabara. Agora o mar estava com menos ondas, o vento havia diminuído e só a chuva caía inclemente sobre as nossas cabeças.



Navegar é Preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande, a
inda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.


Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.


É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.


(Fernando Pessoa)

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