3.5.12


Poesia é quando uma emoção encontra seu pensamento e o pensamento encontra palavras.


MORA NA FILOSOFIA – Leio com interesse o recém-publicado livro de Antonio Cicero “Poesia e Filosofia”.  Com uma linguagem em que nunca abandona a poesia, Cícero realiza uma “desconstrução” dos dogmas que buscam definir a filosofia. E entenda-se por “desconstrução” o conceito elaborado pelo franco-argelino Jacques Derrida: uma crítica de pressupostos dos conceitos filosóficos. Crítica que o carioca Cícero estende aos conceitos poéticos. A “desconstrução”, segundo Derrida (inspirado em Edmund Husserl) não significa destruição, mas sim decomposição, desmontagem. Uma pesquisa de elementos que possam estar despercebidos num texto filosófico ou num verso.  

Leia a seguir um trecho de "Poesia e Filosofia", de Antonio Cícero.

A cabeça nas nuvens

Parece-me que, em geral, a questão sobre as relações entre a poesia e a filosofia já pressupõe certo parentesco entre os dois discursos. O que se quer saber é o grau desse parentesco. Creio que uma das coisas que se observam em geral é, em primeiro lugar, que nem a filosofia nem a poesia têm grande (se é que têm alguma) utilidade pública.

No que diz respeito à filosofia, ninguém ignora que ela trata de assuntos extremamente genéricos e abstratos. Acaso não são seus objetos, entre outros, o “ser enquanto ser” (ou o “ente enquanto ente), a relação entre a matéria e a ideia, a natureza da verdade, etc?

Não é à toa  que o filósofo, dedicando-se a semelhantes questões, seja em geral considerado distraído ou avoado. Quando se diz vulgarmente que “fulano é um filósofo” normalmente o que se quer dizer  é que fulano vive com a cabeça nas nuvens. Conta-se que, quando o primeiro filósofo, Tales, olhando para os astros, e sobre eles especulando, caiu num poço, uma moça trácia caçoou do fato de que, pretendendo conhecer os céus, ele ignorava o que se encontrava a seus pés. Um filósofo moderno, Hegel, comentou que as pessoas que riem dos filósofos, por sua vez, riem delas, que não podem cair no poço porque já se encontram no fundo dele desde sempre...

A anedota sobre Tales corresponde à ideia que até hoje o senso comum faz do filósofo. Registrando essa ideia, o dicionário Houaiss da língua portuguesa, por exemplo, tem como um dos sentidos da palavra “filósofo”: “que ou quem é desligado de preocupações materiais ou indiferente às convenções sociais”; e tem, como outro: “que ou quem é estranho, exótico”.

Pois bem, em relação a “poeta”, o mesmo dicionário apresenta, como um dos seus significados, “aquele que tem imaginação inspirada” e, também, “aquele que é dado a devaneios ou tem caráter idealista”. Dado a devaneios? O poeta não é, então, pelo menos no imaginário popular, menos distraído ou avoado, não tem menos a cabeça nas nuvens, que o filósofo. E o povo não deixa de ter razão, nesse ponto. Que poderia, por exemplo, estar mais longe do mundo utilitário do dia a dia do que, por exemplo, o “Soneto do desmantelo azul”, de Carlos Pena Filho?

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
E aprisionar no azul as coisas gratas
Enfim, nós derramamos simplesmente
Azul sobre os vestidos e gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
Que no excesso que havia em nosso espaço
Pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
E vimos que entre nós nascia um
Vertiginosamente azul. Azul


Madonna vem aí...

 

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