19.7.06

AS MÃOS E OS FRUTOS - São lindos os poemas do português Eugênio de Andrade. Foi Antônio Cícero a primeira pessoa que me falou dele, no dia em que jantamos no Gero, junto com outro grande poeta brasileiro: Eucanãa Ferraz. Naquela noite Cícero e Eucanãa recitaram poemas de Eugênio enquanto bebemos vinho e soboreamos a deliciosa comida do restaurante. Desde então, procuro sempre ler os seus poemas. E já que a seleção de Scolari fez renascer em meu coração uma velha paixão pelas coisas de Portugal, mostro aqui alguns poemas do gajo, cujo verdadeiro nome era José Fontinhas. Ele morreu com 82 anos e deixou publicados mais de duas dezenas de livros de poesia.




Mar de Setembro

Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves, só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.




As Mãos e os Frutos

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.





Abril

Brinca a manhã feliz e descuidada,
como só a manhã pode brincar,
nas curvas longas desta estrada
onde os ciganos passsam a cantar.
Abril anda à solta nos pinhais
coroado de rosas e de cio,
e num salto brusco, sem deixar sinais,
rasga o céu azul num assobio.

Surge uma criança de olhos vegetais,
carregados de espanto e de alegria,
e atira pedras às curvas mais distantes
- onde a voz dos ciganos se perdia.




Os amantes sem dinheiro

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.


Madonna vem aí...

 

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