4.11.02

Assistir ao filme Fale com ela de Pedro Almodóvar é uma experiência de vida. Tantas vezes o cinema já contou histórias de amor e, de repente, o diretor espanhol nos surpreende com uma história tão original quanto comovente. Além do conteúdo do romance o filme nos contagia pela forma como a história é contada. As imagens são de uma beleza mágica. Tudo que envolve o filme é cercado por uma aura de grande arte. É tudo artisticamente sofisticado. Como se o diretor fizesse questão de oferecer o melhor ao seu público. Um gentleman, esse Almodóvar.


O primeiro filme do Almodóvar que eu assisti foi O Matador, no extinto FestRio, o antigo festival de cinema do Rio de Janeiro. O Matador participou da competição, ao lado de filmes como Minha Adorável Lavanderia e Morte no Inverno. Desde o primeiro minuto eu fiquei impressionado com o filme policial, ambientado numa Madrid cheia de mistério e magia. Um roteiro inteligente e sofisticado, filmado com imagens de sugestiva beleza plástica. Na platéia não havia mais do que uma dezena de pessoas e o filme passou praticamente despercebido. Depois da sessão um ainda desconhecido Pedro Almodóvar subiu ao palco para receber flores da organização do festival. Depois ele ficou circulando pelo saguão do Hotel Nacional, completamente ignorado por todos. Ninguém imaginava que um dia aquele espanhol ia ser considerado um dos maiores cineastas de todos os tempos.


O FestRio em que foi exibido O Matador, foi um festival inesquecível. Além de O Matador, Minha Adorável Lavanderia e Morte no Inverno o festival exibiu filmes como Breathless, com Richard Gere e Valerie Kapriskie; De Repente Num Domingo, o último de François Trauffaut; A Mulher Pública, também com Valerie Kapriskie. Além de clássicos como The Wind.


Eu assistia aos filmes da competição no Hotel Nacional, onde era a sede do festival. No saguão do hotel a badalação corria solta. A imprensa nacional e estrangeira, artistas locais e fãs de cinema em geral circulavam com grande excitação por todos os lados. Várias estrelas internacionais marcaram presença. Richard Gere veio promover o lançamento de Breathless e se encontrou com a heroína do seu filme, Valerie Kapriskie, que tinha vindo badalar o lançamento do francês A Mulher Pública. Também estavam presentes Win Wenders, Jim McBride, Ellen Bursten, Fanny Ardant, Dominique Sanda. E tinha também Sonia Braga na comissão julgadora.


Todos os dias eu ia para o Hotel Nacional onde encontrava o diretor de teatro Ruiz Bellenda, cinéfilo como eu, e trocávamos figurinhas sobre o festival. Comentávamos os filmes, os atores, as fofocas, falávamos das festas e dos coquetéis. Certa vez eu encontrei com ele às gargalhadas no bar da piscina. Perguntei do que ele tanto ria e ele me disse que tinha visto a coisa mais engraçada da sua vida: “Eu vi a Marilena Coury pedindo um autografo para o Richard Gere e ele simplesmente recusou. Não quis dar o autografo para ela. Não é o máximo?” E caiu na risada.


Eu e o Ruiz fizemos uma grande dupla neste FestRio. Eu me lembro de ter me divertido muito com o seu humor e o seu senso crítico. Ficávamos loucos quando víamos a Dominique Sanda. Ela estava linda. Com aquele seu ar aristocrata e superior. Tão bonita quanto em filmes como O Conformista e Novecento. Só de lembrar que um dia eu estive frente-a-frente com Dominique Sanda acho que já valeu a pena ter vivido. Para mim a atuação dela em O Conformista, de Bernardo Bertolucci, é uma das coisas belas que as telas do cinema já mostrou.


Uma das personalidades mais presentes neste festival foi a diretora de cinema paulista Anna Muylaert. Na época ela era pouco mais que uma menina. Linda, gostosa, chique, situada. Anna também era louca por cinema e tinha trazido para o Rio o roteiro de um filme chamado Carmen Zoom, a história de um travesti sob a ótica de uma mulher, que ela queria dirigir com a Roberta Close no papel principal. O roteiro era muito interessante e, na época, Roberta Close estava no auge da popularidade. Um dia, num coquetel realizado no bar do hotel, eu encontrei Antonio Calmon cheio de uísque e ele me segredou: “Sabe qual é a maior fofoca do festival? Anna Muylaert passou a noite no quarto do Win Wenders, dando para ele.” Cinema é a Maior Diversão.

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