30.11.02

UM BASEADO NO POSTO NOVE - Um dos programas mais tradicionais do verão carioca é fumar um baseado no posto nove. É um fenômeno comportamental do balneário. No posto nove toda hora é hora de fumar maconha. Um baseado pela manhã, para começar bem o dia. Um baseado ao meio-dia para enfrentar o sol à pino. Um baseado qualquer hora da tarde para deixar o sujeito maluco-beleza. E o mais importante de todos, que é o baseado do pôr-do-sol. Aquele baseado que se fuma para admirar o sol se pondo no horizonte. Para um verdadeiro Ipanemense fumar um baseado no por do sol é uma tradição tão autêntica quanto o chá das cinco para os ingleses. É o momento de saborear o fim do calor do sol, quando uma brisa suave sopra do oceano, refrescando corações e mentes.


Nesses dias de calor senegalês tenho ido todos os dias fumar o sagrado baseado do pôr do sol no Posto Nove. Sexta-feira foi demais! Quando cheguei no nove (os íntimos chamam simplesmente de “o nove”) dei de cara com uns caras gostosos que eu conheço da praia mas nem sei os nomes deles. Gente fina. Ficamos jogando conversa fora. Falando sobre o programa ideal para a noite que se aproximava. Um disse que ia para o pagode da Lagoa. O outro disse que ia para uma rave no armazém cinco do cais do porto. O terceiro afirmou que ia para a Six. O quarto disse que não ia sair na sexta, pois no sábado iria para a festa da Alicinha Cavalcanti na ilha fiscal. Eu pensei: "O Rio é uma festa!" Foi quando um deles falou que ia acender um baseado.


O baseado do cara era simplesmente alucinógeno. Depois do primeiro tapa o verão tinha se transformado numa estação em cinemascope. Tudo muito harmônico. Calmo. Uma sensação plena de integração com a natureza. Ficamos rodando o baseado enquanto outros grupos fumavam seus próprios baseados. Num ritual exótico. Tribal. Enquanto isso o sol imperial se preparava para o grande momento do seu dia. O pôr!


Foi logo depois de fumar o baseado que eu a vi. Virei de costas e pude divisá-la entre uma multidão de corpos bronzeados quase nus. No meio daquela gloriosa massa de carne humana mal passada sua imagem me bateu como o primeiro tapa do baseado. Forte e inebriante. Linda como um pôr do sol, ela estava sentada numa cadeira de praia, conversando com amigos. Então ela se levantou cheia de graça e foi jogar frescobol na beira da praia. Foi quando eu pude contemplar sua beleza magnética com o sol ao fundo se refletindo no oceano. O corpo perfeito, como o brilho dos raios que refletiam no mar. Os longos cabelos presos num rabo de cavalo. O semblante carregado de feminilidade. Era ela. A mais bela de todas as cariocas. Cíntia Howllet-Martin


Atordoado com o efeito do baseado e perturbado com a beleza da moça mergulho no mar e posso ver os raios de sol brilhando embaixo da água límpida. A água me refresca até a alma. As ondas quebram massageando meu corpo, que parece totalmente integrado ao oceano, como se ele também fizesse parte daquele mundo. Todo ser humano deveria ter a oportunidade de, pelo menos uma vez na vida, experimentar esta sensação: fumar um baseado e depois dar um mergulho no mar. É algo tão intenso quanto um orgasmo. Sentir a água salgada envolvendo seu corpo como uma mãe carinhosa envolvendo um recém nascido no colo.


De dentro d´água vejo Cíntia entrar no mar. Agora ela soltou os cabelos, que lhe caem sobre os ombros. Parece uma miragem. Um fenômeno da natureza. Ela adentra o oceano como uma Iemanjá. A Iemanjá do posto nove. Mergulha e some entre o branco espumante das ondas. Depois ressurge lânguida e serena como uma fada. Concedendo ao oceano a suprema honra de refrescar o calor do seu corpo de sereia. Dando ao sol o privilégio de lhe tocar com os últimos raios de um inesquecível dia de verão.

Madonna vem aí...

 

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