23.3.03

PEDERASTAS GRAÇAS A DEUS - Durante o carnaval, no Rio de Janeiro, vários homossexuais foram agredidos verbal e fisicamente por rapazes de Ipanema. A agressão a homossexuais durante o carnaval já virou uma tradição, tanto quanto a Banda de Ipanema ou os desfiles das escolas de samba. Não que esse tipo de violência não aconteça durante o resto do ano. Só que, durante o reinado de momo, ocorre com muito mais freqüência, porque o carnaval, por suas próprias características, é uma festa que permite ao homossexual se expor de forma mais clara. E isso parece irritar os conservadores e moralistas.


O fato merece uma série de reflexões. É surpreendente que, em pleno século 21, esse tipo de intolerância ainda exista. Mesmo vivendo num mundo hiper sexualizado, um mundo onde o sexo está à disposição de todos em todos os lugares, é curioso que o homossexualismo ainda cause tanto estranhamento. Afinal, o homossexualismo é apenas uma face da sexualidade humana. Todo ser humano tem um componente homossexual dentro de si. Mas, nossa sociedade machista não admite isso. E por não admitir o homossexualismo que existe dentro de si é que o homem bate, agride e espanca aqueles que, não só admitem, como tem a coragem de priorizar o homossexualismo dentro da sua sexualidade.


Quando se vê diante de homens que se tocam, se acariciam e se beijam como um casal, alguns sujeitos se sentem ameaçados. A imagem de uma relação homossexual mexe com seus desejos mais íntimos. Desejos que eles ocultam no mais profundo esconderijo de suas almas. Desejos que eles sentem mas não admitem para si mesmo. Por isso, tanta necessidade de reprimir aqueles que ousam tornar público algo que para eles tem que estar escondido, oculto e camuflado.


Quando eu tinha onze anos minha mãe, Nadir, foi chamada no colégio em que eu estudava. A orientadora educacional disse para ela que eu tinha um comportamento muito delicado e que eu devia exercitar esportes viris. A pedagoga recomendou que eu devia praticar judô. Dona Nadir revidou e disse que o filho dela não gostava de praticar esportes, que preferia ficar em casa lendo, estudando ou assistindo novela, e que ela não via nenhum mal nisso. Mas nem todas as mães pensam assim. São elas quem primeiro percebem a tendência homossexual dos filhos. E quase sempre são elas quem primeiro reprimem esse comportamento, induzindo as crianças a sufocarem esses desejos, dizendo que isso é feio e que um homem não se comporta assim. E quando buscam orientação psicológica ou educacional para seus filhos, elas são aconselhadas pelos pedagogos a levarem seus filhos a praticarem “esportes viris” ou artes marciais, a fim de reprimirem desejos que, afinal de contas, já nasceram com as próprias crianças. Acreditam que agindo dessa forma as crianças ficarão curadas dessa doença perigosa. Assim, quando se tornam adultos e se deparam com uma exibição pública de homossexualismo, esses rapazes sentem uma necessidade urgente de reprimir aquilo que lhe foi reprimido na infância, como uma forma até de não decepcionar a própria mãe, que vê no homossexual um tipo inferior de ser humano.


O mais paradoxal nisso é que o preconceito contra os homossexuais é, na verdade, um preconceito contra as mulheres. O homossexual é discriminado na nossa sociedade machista exatamente por se aproximar em demasia do universo feminino. Quando ele deseja outro homem, quando exibe trejeitos femininos, quando se interessa pelos valores da mulher, ele está se aproximando demais do mundo da mulher. E a sociedade machista encara isso como uma traição. Afinal, um ser superior como o homem, trair seus ideais de masculinidade para se aproximar da mulher, esse ser tão inferior... Por causa disso ele deve ser reprimido. E punido. Agora durma-se com um barulho desses.


A verdade é que, se engana quem pensa que esses casos de violência expõem uma briga entre homossexuais e heterossexuais. Quem reprime e agride os homossexuais são outros homossexuais. Aqueles que não admitem a homossexualidade que dorme dentro de si. Os melhores amigos dos homossexuais são os verdadeiros heterossexuais. Os homens que têm sua sexualidade resolvida e que possuem um autêntico desejo pelas mulheres são os que melhor entendem e respeitam os homossexuais.


Quanto aos jovens de Ipanema, que optam pela violência só se pode lamentar por eles. Não se pode acreditar que dois homens se beijando seja algo mais imoral do que um grupo de homens que se juntam para espancar um só, dando-lhes socos, pontapés e chutes na cara. Eles podem até acreditar que o homossexualismo desmoraliza um homem. Mas a violência e, principalmente, a covardia, desmoraliza muito mais. É lamentável que, num momento em que tanta gente no mundo está pregando pela paz entre as nações, a sociedade se depare com pessoas que não conseguem viver em paz nem no próprio bairro em que moram.

Madonna vem aí...

 

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