1.3.04

UMA LÁGRIMA PARA WILMA LESSA O carnaval pernambucano teve um final triste, com a morte da jornalista Wilma Lessa. Wilma era muito querida em Recife e Olinda, onde tinha um programa de radio em que defendia os direitos da mulhar. O feminismo fazia parte da sua personalidade. Com sua ONG chamada Viva Mulher, realizava trabalhos para proteger vitimas da violência doméstica. Wilma Lessa possuia dados estatísticos que mostravam que o estado de Pernambuco é a região do Brasil onde mais se pratica violências contra a mulher. Seu trabalho e sua personalidade guerreira a fizeram muito popular no Recife, tanto que a notícia de sua morte deixou a população consternada.


Wilma Lessa nasceu em São Paulo mas aos 20 anos foi morar na capital pernambucana. Fez amigos e sempre criou polêmicas com seu estilo livre de ser. Bonita e cheia de personalidade, ela conquistava homens e mulheres com seu carisma pessoal. Seus romances sempre foram muito intensos e motivo de controvérsias na sociedade. Sua postura feminista vivia entrando em choque com o machismo pernambucano, mas isso ela lidava com bom humor. Ela participou ativamente da vida politica do estado, atuando em vários partidos políticos. Tinha uma intensa agenda social. Agitou a vida cultural produzindo peças e publicando artigos nos jornais e revistas de Recife e Olinda.


Quando eu vivia em Recife tive a oportunidade de conviver bem de perto com ela. Era inteligente, divertida e só fazia o que queria. Morava na cobertura do edifício Apolo, de onde se via uma bela vista da cidade. Na porta de entrada do seu apartamento havia o desenho de uma borboleta e uma frase escrita em letras coloridas: Viver bem é a melhor vingança. Eu frequentava muito seu apartamento. Ela me estimulava intelectualmente, pois vivia cercada de livros. Quando fui à sua casa a primeira vez ela pegou um livro na estante e me disse: Esse é o meu livro favorito. Você precisa lê-lo imediatamente. É o livro mais incrível que já li. Era Pedro Páramo, o romance de Juan Rulfo. Um livro que tenho até hoje na minha estante, como um talismã.


Eu ia muito ao seu apartamento no edificio Apolo, onde ela vivia com Keiko, uma namorada japonesa que depois voltou para São Paulo. Lá ficávamos bebendo San Raphael, sua bebida favorita e ouvíamos muito um disco de Ornella Vanoni, uma cantora italiana que ela adorava e que eu aprendi a gostar. Ou então a trilha sonora do filme Borsalino. Falávamos muito sobre literatura e ela me mostrava os poemas que escrevia. Wilma adorava os livros de Osman Lins e Gabriel Garcia Marques.


Além disso haviam as noitadas. Muitas vezes viramos à noite bebendo nos bares de Olinda e fazendo farras nas boates. Certa vez eu cheguei com ela num bar sensacional, no alto da Sé, em Olinda. Ela estava linda. Toda maquiada. Cheia de colares, brincos e pulseiras. Um vestido bem fechativo, como ela gostava de usar. Lá encontrei um amigo, pintor, bonitão. Ele chegou para mim e perguntou: Quem é aquele travesti maravilhoso que está com você? Wilma ficou furiosa quando eu contei para ela e ficou discutindo a noite inteira com o cara. E eu rolava de rir pois os dois eram muito engraçados. Foi uma noite muito feliz e a lembrança dessa noite divertida hoje me soa diferente, já que ele também morreu há algum tempo.


Durante uma época, ela esteve muito presente em minha vida. Depois eu vim morar no Rio e a vida cuidou de nos levar por caminhos distintos. Ela casou, teve um filho, descasou, casou de novo, separou, casou novamente. Mas sempre existiu um carinho muito forte entre a gente. A noticia de sua morte me causou muita tristeza. Wilma era uma pessoa cheia de vida e que se dedicava com muita sinceridade a causas sociais ligadas à mulher. Vou sentir muito sua falta.


Descanse em paz.



Cada um que passa em nossa vida
passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui a outra.
Cada um que passa em nossa vida,
Passa sozinho, mas não vai só
Nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos,
Deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito,
Mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida
E a prova de que duas almas
Não se encontram ao acaso.


Antoine de Saint Exupery

Madonna vem aí...

 

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