28.7.05

PARIS EM CHAMAS - Foi durante um passeio nos jardins do Louvre, enquanto nos aproximávamos do arco, de onde poderíamos ver a pirâmide. Eu e Débora Melissa conversávamos sobre o livro O Código da Vinci, que eu já tinha lido e ela estava lendo. Falávamos do Louvre como cenário para as tramas do livro. Quando nos aproximamos do museu eu mostrei para ela onde ficava a grande galeria, local cheio de obras de arte da Renascençã, onde o personagem Sauniére é assassinado. Então eu me virei para Hans, o maridão belga da Débora, e perguntei se ele já tinha lido O Código da Vinci.


Eu nunca li um livro, me disse ele num português quase sem sotaque. Eu não gosto de ler, acho chato. Tomei um susto com aquela afirmação e tentei, durante alguns minutos, encontrar palavras que pudessem convencê-lo do contrário. Hans é adorável. Bem humorado, divertido, inteligente. Mas nunca leu um livro.


Se Hans gostasse de ler, eu recomendaria O sol dos Scorta, do romancista francês Laurence Gaudé. É um belo livro. A resenha a seguir, foi publicada esse semana no Jornal do Brasil.




O SOL DOS SCORTA - A saga de uma familia marcada pela tragédia. Esse é o mote da história contada no livro O sol dos Scorta, do romancista francês Laurent Gaudé, ganhador do prêmio Goncourt 2004. A narrativa envolvente é o grande trunfo desse romance sobre a família Scorta, uma dinasticia onde todos os seus personagens anunciam algo de sinistro no seu destino. Apesar de ambientado numa região árida e seca da Itália, existe algo da dramaturgia grega na vocação trágica dos personagens desse romance encantador, dono de uma narrativa saborosa que envolve o leitor desde a primeira página.


Montepuccio, o povoado onde se passa essa crônica é um lugar tão quente e seco que, na hora da sesta, os moradores se trancam dentro de casa para fugir do sol rigoroso capaz de rachar até as pedras que infestam a paisagem. É esse sol inclemente e cruel que orienta o destino dos personagens. O sol é quase o narrador dessa história que na sua evolução muitas vezes lembra um faroeste ambientado na Itália.


Tudo começa quando um forasteiro solitário chega a Montepuccio no calor implacável da hora da sesta, quando toda a população está se resguardando do brilho forte da luz do sol. Depois de ter passado 15 anos na cadeia, o sujeito volta à cidade apenas para violentar a mulher que desejava quando foi preso por assaltos. Atordoado pelo calor e pela seca, bate na porta da sua vítima e, quando a coitada atende, o forasteiro, sem dizer uma palavra, sacia seu desejo acalentado por quinze anos de cárcere. Sem saber que a dama dos seus desejos havia morrido logo após sua prisão, ele acaba violentando uma prima da sua musa.


O desgraçado só descobre o enganno quando está morrendo apedrejado pela população, logo após o seu gesto de furor sexual. É dessa relação fugaz e perversa que nasce Rocco, a primeira vítima do sangue marcado dos Scorta que, quando adulto, irá se transformar num bandido mais aterrador que seu próprio pai e vai provocar ódio e admiração nos moradores de Montepuccio.


Com um envolvente estilo literário, Laurent Gaudé, descrevendo a aridez geográfica de Montepuccio, revela ao leitor a aridez da alma dos personagens de sua trama. As relações familiares, os romances, as escolhas de vida. Tudo é conduzido pela terra seca, pelas pedras que fervem ao calor do meio dia, pela brisa quente que sopra do horizonte. Por mais que desejem ir embora daquele mundo os personagens não conseguem sair do povoado, como se fossem almas penadas condenadas ao inferno. Isso faz do romance uma alegoria sobre como o ser humano está condenado a cumprir seu próprio destino, independente de seus desejos, sonhos e obsessões.


Laurent Gaudé nasceu em Paris em 1972 e tem feito sucesso em seu país como dramaturgo e romancista, recriando com seu estilo jovial e contemporaneo o clima denso das tragédias gregas.

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