22.2.07

EU ADORO O BOFETADA O carnaval 2007 coroou o bar Bofetada como o centro nervoso da comunidade gay carioca. Muito além dos seus limites, o bar espalhou suas energias por toda a rua Farme de Amoedo, transformando-a numa imensa e agitada parada gay. Foi uma incrível demonstração de poder, desse que, na verdade, é apenas mais um botequim entre tantos da cidade. O fato é que o Bofetada foi escolhido pelos gays para ser o seu templo no verão do Rio. Mas nem sempre foi assim. Nem sempre o Bofetada foi um bar gay. Pelo contrário. Até uns dez anos atrás o Bofetada era um bar freqüentado apenas por rapazes heterossexuais de Ipanema. Um antro de machões da zona sul. E foi exatamente por causa dos bofes maravilhosos que iam ao Bofetada que os gays começaram a ir para lá.

Antigamente, toda essa ferveção que acontece no Bofetada durante o carnaval acontecia na rua Vinicius de Moraes, em torno do bar Garota de Ipanema. Gays de todos os matizes iam dar pinta no bar onde Tom e Vinícius iam beber e compor na juventude. Na época em que estudava jornalismo na PUC eu freqüentava o bar Garota de Ipanema onde era muito bem tratado pelos garçons. E na minha cabeça isso fazia de mim um autêntico carioca. Eu achava o máximo freqüentar o bar onde Tom e Vinícius tinham feito história. Nessa época, quando saíam da praia, as bichas iam dar pinta no Garota de Ipanema e também no Veloso, o bar que ficava em frente. O cruzamento das ruas Montenegro com Prudente de Moraes é que era o point dos gays que, nessa época, nem sabiam onde era o Bofetada.

Claro que, como o Garota de Ipanema e o Veloso também eram freqüentados por machões, muitas vezes pintava um estranhamento entre os diferentes grupos. Lembro que certa vez, perto do carnaval, o bar estava cheio de turistas estrangeiros, colocaram um cartaz na entrada onde estava escrito No Gay Here. Quando cheguei e vi aquilo pedi um chope e me dirigi ao gerente. Disse que aquilo não era nem um pouco elegante com os turistas gays que estavam gastando seu dinheiro ali. O gerente ficou constrangido e me disse que o cartaz tinha sido colocado por um freqüentador do bar, um sujeito machão que ficava incomodado com a presença dos homossexuais no pedaço. Posso rasgar o cartaz?, perguntei. Ele respondeu que sim, então eu arranquei o papel da parede, fiz dele pedacinhos e pedi outro chope.

O Bofetada, nessa época, era conhecido e freqüentado apenas por moradores do pedaço. Era famoso, principalmente, pelo seu bolinho de bacalhau, servido quentinho e crocante. Só de lembrar do bolinho fico com água na boca. Mauricio de Jong, um amigo muito querido, colega da faculdade, adorava comer aquele bolinho de bacalhau bebendo chope. Por causa do bolinho salgado bebíamos dezenas de chopes e saíamos de lá bêbados. Muito por causa do Maurício eu comecei a freqüentar o bar que sempre estava cheio de rapazes bonitões, atletas de praia, machos e valentes. Aliás, o perfil dos rapazes que freqüentavam o Bofetada sempre passava pelos adjetivos machos e valentes. E muitos eram lindos. Chegavam a ser perturbadores de tão lindos. Durante muitos verões um dos meus programas favoritos era encher a cara no Bofetada, até porque, eu morava ali perto, na rua Barão da Torre.

Aqueles foram os verões de Luiz Orlando, um rapaz loiro, que tinha uma cicatriz na testa e foi o homem mais bonito do Rio de Janeiro de sua época. Ele era lindo. Absolutamente lindo. Parecia um galã de cinema. E a cicatriz, um acidente de carro, o deixava ainda mais bonito. Eu tinha uma amiga, Adriana Dolabella, irmã mais velha do Dado, que era louca por ele. Algumas vezes íamos ao bar apenas para vê-lo e eles acabaram tendo um namorico. A diferença do Luiz Orlando para os demais rapazes que freqüentavam o lugar é que ele era dócil e educado. Outro dia eu o encontrei ali mesmo na Farme. Quem o vê hoje em dia, jamais pode imaginar que aquele homem envelhecido e de aspecto doentio já foi um dos homens mais bonitos dessa cidade.

Luiz Orlando foi destruído pelas drogas. A cocaína foi muito malvada com ele. Acabou com sua beleza, com sua saúde, com suas possibilidades profissionais, com seu amor próprio. Por causa do pó ele sofreu um grave acidente de moto e ficou mais de um ano imobilizado. Sua dificuldade para se livrar do vício o levou a freqüentar os narcóticos anônimos e a trabalhar para instituições que ajudam viciados. A última vez que conversamos na praia ele me falou da sua via crucis e da forma como a vida foi cruel com ele. Depois, quando foi embora, eu me sentei na areia, fiquei olhando para o mar e chorei. Chorei muito. Com os olhos embolados de lágrimas fiquei lembrando quando o encontrava na praia jogando frescobol. Um rapaz lindo cuja pele bronzeada realçava seus olhos verdes. Eu adorava seu cabelo loiro caído sobre a testa. Ele sempre me sorria e fazia um gesto de carinho. E aquilo enchia o meu coração de alegria. A imagem de Luiz Orlando no auge de sua beleza sempre me fará lembrar a época em que o Bofetada era apenas um bar de rapazes que gostavam de moças.


O Petit, aquele garoto que inspirou Caetano Veloso a escrever a música Menino do Rio, também era freqüentador assíduo do Bofetada desse tempo. Assim como muitos outros que não souberam se proteger das agruras da vida e acabaram tendo fins trágicos. Certa vez eu encontrei com o empresário Paulinho Lima no cruzamento da Farme de Amoedo e ele estava pasmo. O que houve com aqueles rapazes bonitos da Farme?, ele perguntou. Acabei de passar por ali, vi alguns deles e estão todos acabados. O que foi aquilo? Drogas?

Freqüentando o Bofetada da época pré-gay eu conheci muita gente. Conversava com todo mundo, ouvia as histórias de uns, as histórias de outros. E essas histórias da vida real acabaram inspirando a minha literatura. Em 1997 publiquei um livro chamado A Última Canção de Bernardo Blues. Era um romance policial e contava a história de um crooner de boate que é assassinado brutalmente por um rapaz que freqüentava a Farme. É uma história de ficção inspirada na morte do diretor de teatro Luiz Antônio Martinez Correia, vítima de um crime semelhante, que chocou Ipanema. Pois bem. No livro o bar Bofetada aparece em vários momentos da trama.

Logo depois do lançamento do livro eu comecei a escrever contos eróticos para uma revista voltada para o público gay chamada Homens. E nos meus contos o Bofetada sempre era citado como um lugar idílico, cheio de homens lindos e sensuais. Eram histórias de ficção, que eu inventava da minha cabeça, mas que pareciam histórias reais por causa do meu estilo de escrever. A partir da publicação desses contos os gays começaram a freqüentar o Bofetada talvez na esperança de viverem uma história como as que liam na revista. E a chegada dos gays ao Bofetada mudou completamente o perfil do bar e da própria Farme de Amoedo.

O primeiro conto que escrevi para a revista Homens chamava-se Ipanema em Chamas e contava a história de um boêmio do bairro que seduz um jovem lutador num tórrido verão carioca. Noutro conto chamado Uma vez Flamengo, depois de assistirem a uma partida no Maracanã onde seu time goleia o Vasco, torcedores flamenguistas submetem um torcedor vascaíno a toda sorte de humilhações sexuais depois de tomarem um porre no Bofetada. No conto Amei um Pitboy um empresário bem sucedido que freqüenta o Bofetada se apaixona por um belo praticante de artes marciais depois de um atropelamento. Houve vários outros contos onde, invariavelmente, algum personagem acabava indo ao Bofetada.


No último carnaval ao ver a rua Farme de Amoedo tomada de gays que se aglomeravam em torno do Bofetada eu pude sentir o poder da minha literatura. Foi por causa dos meus contos que os gays escolheram aquele lugar. Aquela festa poderia estar acontecendo em outro bar. Poderiam ter continuado no Garota de Ipanema, como era antigamente. Mas eles elegeram o Bofetada por causa dos meus contos. Minha literatura sempre foi esnobada pelos cadernos de cultura e ignorada pelos suplementos literários. As grandes editoras consideram minha escrita pornográfica. (Valei-me Nelson Rodrigues!) Os intelectuais acadêmicos classificam o meu trabalho como uma coisa menor. Mas isso agora não tem a menor importância. Eu vi, em pleno carnaval, a capacidade que tem o meu texto de tocar o coração das pessoas. E isso já é o bastante para que eu me sinta realizado como escritor.

Clique AQUI e leia o conto AMEI UM PITBOY




A seguir trechos do livro A Última Canção de Bernardo Blues, publicado em 1997 pela Editora Francisco Alves.




Nos dias que se seguiram Bruno se dedicou a explorar Ipanema. Rezava todos os dias na Igreja de Nossa Senhora da Paz, e depois saía caminhando pelas ruas do lugar, observando a tudo e a todos. Queria esbarrar numa das esquinas com o tal jovem loiro e tatuado. Era tão vaga essa descrição. Por toda parte encontrava rapazes loiros que poderiam se enquadrar nela. Será que algum deles poderia ser o assassino de Bernardo? Estava decidido a investigar por conta própria. Certo dia, enquanto tomava um café no Bofetada, o tradicional botequim da rua Farme de Amoedo, viu chegar um grupo de rapazes que aparentemente vinham de uma partida de futebol de praia. Observou o grupo com atenção. Um deles correspondia a descrição da polícia. Pediu mais um café enquanto observava com atenção o torso bronzeado, um dragão tatuado no braço, o cabelo cortado bem curto, o rosto bonito, lábios bem desenhados, os olhos cor de mel. Ao perceber sendo observado o rapaz virou-se para Bruno, encarou-o com agressivo desprezo e fulminou-o com uma pergunta:
- Qual é cara? Tá me olhando porquê? Tu és X-9 ou tá me achando bonito?
O tom ríspido da pergunta deixou Bruno assustado. Ele pagou a conta e saiu do bar apressado. Mais uma vez pensou na mensagem de Deus: Não se deixe embriagar pela beleza. É preciso sempre manter os pés na terra.








A boate Le Boy estava cheia de homens. As únicas mulheres pareciam ser Lívia e suas amigas. O som alto, as luzes piscando e a fumaça dos cigarros deixaram-no atordoado. O seminarista imaginou o que faria as pessoas terem como ideal de diversão ficar trancadas num lugar lotado, sufocadas por uma música no último volume. Uma mão decidida o acariciou por entre as pernas. Ficou surpreso, mas não reagiu quando identificou um jovem loiro que passava por ele e acabou sumindo no meio da multidão. Lívia segurou na sua mão e disse alguma coisa no seu ouvido, mas a música era ensurdecedora, e ele não entendeu nada. Depois ela caminhou junto a Yoná até a pista de dança e dançaram frenéticas. Bruno a tudo e a todos observava, agora mais acostumado ao ambiente. Quando saíram da boate, decidiram ir tomar um último drinque no Baixo Leblon. Antes porém, Lívia passou no Bofetada. Parou o carro em frente ao bar, sem desligar o motor.Do banco traseiro, Bruno viu Yoná sair do automóvel, caminhar até um rapaz cabeludo que estava sentado numa mesa e dar dois beijos nele. Quando voltou para o carro, ela carregava na mão dois papelotes de cocaína.. Um ela cheirou com Lívia no caminho para o Baixo Leblon. O outro ela guardou para mais tarde. As duas não paravam de falar sobre revistas de moda, modelos famosas, cinema e publicidade, enquanto atravessavam os sinais vermelhos. Quando chegaram no Baixo as duas se beijaram com lascívia e Yoná enfiou a mão dentro da calcinha de Lívia e acariciou sua xoxota. Depois levou a mão até o nariz e aspirou.
- Adoro o perfume da tua xoxota...








Bruno seguiu o seu caminho tranqüilo e relaxado. Tinha chorado bastante, e chorar sempre faz bem ao espírito. Caminhava distraído pela Farme de Amoedo. Tão distraído estava que não notou um rapaz loiro e tatuado que vinha em sentido contrário. Usando short, sandália de dedo, sem camisa e carregando no pescoço uma corrente com a medalha de Dom Bosco idêntica a que Bruno trazia consigo. Assim, o jovem criminoso cruzou, sem ser notado, com o irmão de sua vítima mais famosa antes de entrar no bar Bofetada e pedir um chope.
O dentista Fabio Lopez, que encostado no balcão do bar, saboreava o seu quinto cuba-libre, ficou encantado com a presença do moço. A tonalidade bronzeada da pele. Os raros e delicados pêlos dourados que realçavam seu bronze. O torso bem desenhado, que destacava os dois peitos torneados que desembocavam em dois lindos e delicados mamilos. Ah, os mamilos... Se existia algo capaz de fazer Fábio Lopez perder o bom senso, esse algo era sem dúvida um par de mamilos masculinos. O mamilo dos homens concentrava todo o fetiche da sua sexualidade. Sua maior obsessão era ir à praia e ficar observando os rapazes sem camisa, enquanto os catalogava mentalmente. Sabia dizer quem, do Arpoador ao Leblon, possuía os mais sensuais pares de mamilos da zona sul carioca. E os mamilos do jovem, que acabara de pedir um chope, eram particularmente sedutores. Empinados e arrogantes. Pareciam estar pedindo para serem beijados. Tinham em volta deles, formando uma meia lua, uma graciosa horta de pelinhos brilhantes que realçava sua beleza rósea. A adrenalina misturou-se ao rum e um calor invadiu o corpo do dentista. O rapaz loiro e tatuado deu um gole no chope e, sentindo o olhar do outro sobre o seu corpo, retribuiu com o brilho assassino dos seus olhos. Fabio Lopes não sabia o que fazer, nem o que dizer, nem onde colocar as mãos. Na dúvida, pediu um outro rum-coca-gêlo-e-limão, enquanto o garotão saiu de dentro do bar e foi se recostar num Fiat vermelho que estava estacionado bem em frente ao Bofetada.



Madonna vem aí...

 

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