17.5.07

O triste

Guardou esta manhã
Para chorar longamente,
O que não fazia há muito.

Não porque setembro,
Não por um fato específico
Um isto que fosse. Ou,

De tão antigo, seria um motivo que
Não recordava e agora o hálito de seu abraço
Frio e sem rosto?

Guardou, para tal manhã
Olhos e boca. Mas o rápido,
Repentino sumo de uma luz

pelas frestas veio dar nos livros,
O telefone, crianças lá fora, jornais
E talvez, e ainda

Manhã tão breve.
Quem sabe, depois, outubro.
Hoje, não houve tempo.








INSTINTO MATERNO – Eu já levei três amigas minhas para fazerem abortos naquela famosa clínica da rua Dona Mariana, em Botafogo. Num período de quase dois anos eu levei três mulheres para abortarem. As funcionárias da clínica devem ter pensado que eu era algum garanhão que engravidava mulheres e depois ia levá-las para se livrarem de seus fetos. Mas não era bem assim. Em nenhum dos casos eu era o pai. Era apenas um cara que estava ajudando suas amigas num momento em que elas não podiam contar com a solidariedade de seus homens.

Eu tinha acabado de completar dezenove anos quando fui levar Izabel para fazer seu aborto. Ela era uma colega da PUC. Uma moça muito bonita, que tinha vindo do interior de São Paulo estudar Sociologia no Rio. Ficamos amigos e, quase ao mesmo tempo, ela começou a namorar Paulo, um colega da minha turma no curso de Comunicação. Na verdade fui eu quem os apresentou e eles viveram uma paixão intensa. Eu e Paulo éramos muito amigos e várias vezes emprestei o meu apartamento em Ipanema para eles se encontrarem. Foi tudo divino e maravilhoso até o momento em que ela engravidou.

Quando soube que a namorada estava grávida Paulo reagiu muito mal e simplesmente rompeu com a garota. A família dele é muito rica e o rapaz achou que a jovem estava a fim de dar lhe um golpe. Não era o caso. Desde o momento em que engravidou Izabel quis interromper a gravidez, pois sabia que sua família, no interior, não iria aprovar um filho sem um casamento. Humilhada ante a atitude do namorado ela decidiu fazer o aborto e procurou o rapaz mais uma vez para propor que ele a acompanhasse e dividisse o custo da operação, já que ela vivia apenas com a mesada que recebia da família. Paulo foi indelicado e disse que ela estava tentando explorá-lo. Izabel ficou arrasada.

Como eu convivia com o casal acabei acompanhando todo o drama. Quando soube da reação de Paulo eu me propus a acompanhar Izabel até a clínica e paguei o aborto. Eu me sentia um pouco responsável por aquele romance. Sempre que o assunto aborto vem à pauta eu me lembro desse episódio. Chegamos a clinica, fomos atendidos por uma recepcionista que nos levou até o médico, que nos explicou como seria o procedimento. Depois Izabel foi levada por duas enfermeiras ao interior da clínica e eu fiquei esperando na recepção, sentado num sofá confortável. Tão confortável que, relaxado, peguei no sono. Enquanto dormia eu sonhei que ela havia tido um bebê. Foi um sonho que me impressionou muito, pois era muito real. As imagens vinham muito claras na minha mente. Ela saindo por onde tinha entrado carregando um recém-nascido no colo e mostrando a criança para mim. Fiquei muito tocado quando fui acordado pela recepcionista e Izabel estava na minha frente, abatida, mas serena, conformada.

Quando saímos da clínica eu a levei até o meu apartamento e fiquei cuidando dela até o dia seguinte, já que ela alugava um quarto na casa de uma senhora e não ia ter ninguém que pudesse cuidar dela. Nesse episódio eu pude acompanhar bem de perto a situação da mulher diante de uma gravidez não planejada. Quando soube que o aborto já tinha sido feito Paulo ficou mais calmo e a procurou para saber se podia fazer alguma coisa por ela. Izabel agradeceu e disse: Tudo o que você poderia ter feito por mim o Waldir já fez. Paulo então me procurou, quis me reembolsar o dinheiro do aborto, mas eu não aceitei. Entendi que ele era muito jovem e não teve serenidade para enfrentar aquela situação. Anos depois Izabel ficou novamente grávida, agora uma gravidez planejada, e me convidou para ser padrinho do filho dela.

Meses depois eu voltei novamente a clínica da rua Dona Mariana. Dessa vez fui com Maria Tereza, uma boa moça, que estava tendo um caso com Iran, um colega do meu trabalho, uma empresa do Governo Federal. Iran era um cara machão, casado, cafajeste, parecia o Tony Ramos na novela Paraíso Tropical. Comia todas. Iran me adorava. Apesar de sermos pessoas bem diferentes e ele ser mais velho que eu, nós tínhamos uma relação bem fraternal e carinhosa. Depois Iran foi transferido para o Ceará, onde havia surgido uma boa oportunidade para ele na filial da empresa em que trabalhávamos. Um belo dia ele me liga de Fortaleza pedindo um favor. Disse que tinha se envolvido com uma garota, uma menina nova, e ela tinha ficado grávida. Ele a estava mandando para o Rio a fim de fazer o aborto, pois os pais dela não podiam saber, e queria que eu levasse a garota na tal clínica em Botafogo.

Maria Tereza era uma moça bonita, de gestos finos e olhos verdes. Atendendo ao pedido de Iran eu fui buscá-la no aeroporto e a hospedei no meu apartamento. No dia seguinte fomos à clínica. Você já teve aqui uma vez, não é?, me perguntou a recepcionista, quando a jovem foi levada para o interior da clínica. Depois, já de volta ao meu apartamento, Maria Tereza teve uma crise de choro que me deixou muito impressionado. Ela chorava muito. Um choro que misturava dor, decepção, frustração, constrangimento, humilhação. Eu queria demonstrar solidariedade, mas não sabia como. Ela era praticamente uma desconhecida para mim. Eu não me sentia à vontade para abraçá-la, para confortá-la. Foi uma situação complicada.

No dia seguinte eu a levei para dar um passeio no Rio. Conhecer a cidade. Eu queria distraí-la. Fazê-la esquecer um pouco o trauma do dia anterior. Fomos ao Cristo Redentor, Alto da Boa Vista e almoçamos em Santa Tereza. Conversamos e eu pude perceber que ela estava muito zangada com o Iran. No dia seguinte ela voltou para o Ceará e nunca mais eu vi essa garota. Meses depois eu estava novamente na clínica. Dessa vez com Ana Maria. Ao me ver ali pela terceira vez em poucos meses a recepcionista quis fazer um comentário, mas se deteve, ao olhar para minha acompanhante. Você é danado, hein?, me disse ela quando Ana sumiu pelo corredor que levava ao interior da clínica. Eu sorri tentando fazer uma cara de machão comedor e não disse nada.

Ana Maria era uma amiga da época do ginásio, quando eu morava em Recife. Ela era casada e tinha dois filhos. Com o casamento em crise, querendo se separar do marido, a coitada descobriu que estava grávida pela terceira vez. Decidiu interromper a gravidez sem que o marido soubesse e viajou para o Rio a fim de fazer o aborto. Deu a desculpa de que vinha fazer um curso, mas o marido desconfiou e resolveu vir atrás. Quando nós saímos da clínica e chegamos em casa o marido a esperava na porta do prédio. Eles começaram a discutir e Ana disse que não podia se aborrecer, pois tinha acabado de fazer um aborto. O cara ficou maluco, queria bater nela, depois começou a chorar falando que não merecia aquilo. Deus do céu! No meio daquela confusão eu olhava para eles e a única coisa que eu pensava era o seguinte: Como é complicado ser heterossexual.

Eu sou a favor da legalização do aborto.



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