15.7.07

MÚSICA POP – Escuto sem parar o disco da cantora Leila Maria, uma seleção de músicas gays, que a cantora batizou de Canções do amor de iguais. O que é uma música gay? Uma música que toque fundo na alma dos gays. Ra-ra-ra-ra. São músicas compostas por artistas gays como Johnny Alf, George Michael, Lulu Santos, Eduardo Dusek, Luiz Carlos Góes, Ronaldo Bastos, Ângela Ro Ro, k. d. lang, Cole Porter, Marina Lima e Antonio Cícero. E também músicas de amor entre iguais compostas por artistas simpatizantes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Antes de tudo é importante afirmar que a ideologia do repertório não atrapalha o disco. A cantora está em grande forma, usando sua graciosa e afinada voz com desenvoltura. Os arranjos se equilibram entre o inteligente e o sensível, valorizando a qualidade musical do produto. É um CD com apurada produção artística. De uma qualidade musical que está além de qualquer tipo de orientação sexual. É um disco de boa música.

Por que um CD de músicas gays? É uma longa história. Tudo começou quando Leila Maria foi convidada a cantar num trio elétrico da parada gay do Rio. Sua performance durante a festa conquistou o público GLS que a tomou como musa e passou a lotar seus shows no Teatro Rival. Por conta dessa identificação da cantora com esse grupo social o jornalista e critico musical Antonio Carlos Miguel sugeriu que ela gravasse um disco apenas com canções que tivessem uma identificação direta com esse público. E assim surgiu a idéia do projeto Canções do amor de iguais.

O repertório é puro luxo. Tem Nature Boy, a mais gay das canções americanas que, em tom melancólico, narra a história de um garoto estranho e encantador, vindo de um lugar distante, very far, over land and sea, e que, num mágico dia atravessou o nosso caminho para ensinar que a coisa mais importante na vida é amar e ser correspondido. Não existe veado no mundo que não tenha vivido a história dessa música em sonhos ou realidade. Já foi gravada por Frank Sinatra, Nat King Cole, Jose Feliciano, David Bowie, Caetano Veloso e Ney Matogrosso. Mas Leila Maria não se deixou intimidar por esses nomes e gravou sua versão com muita personalidade. Sua voz passeia pela canção com um dengo, uma suavidade e um frescor que nos dá vontade de sair por aí dando pinta. O arranjo, ao dar ênfase a um suingue abolerado com pitadas de pop eletrônico, só fez valorizar esse clássico. Só por Nature Boy já vale a pena comprar o CD.

Johnny Alf é o gay da Bossa-Nova. A crítica musical tem tanta reverência pela Bossa-Nova que nunca comenta sobre o seu lado gay, como se isso fosse desvalorizar o mais famoso ritmo musical do Brasil. Pois eu acho o Johnny Alf a bicha mais chique e poderosa da cultura brasileira. Vamos recapitular um pouco a história da MPB. Nos anos 50 e 60 o jovem Alf circulava por um Rio de Janeiro idílico, fazendo música com jovens talentosos como Tom Jobim, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Edu Lobo, Carlos Lyra e muitos outros. Basta olhar as fotos dessa época para ver como eles eram lindos, másculos e hedonistas. Devia ser uma loucura para Tia Alf varar (!) a noite tocando piano e enchendo a cara com esses bofes. Todos eles encantados com a música maravilhosa que brotava do teclado do seu piano. Reza a lenda que certa vez Tia Alf estava em casa distraída, dedilhando o teclado do seu piano, quando tocam a campainha. Ele veste o robe e vai atender. Quando abre a porta dá de cara com o surfista Marcos Valle, então com 17 anos, vindo do Arpoador, querendo mostrar ao respeitado artista uma de suas canções. Olha que situação! Ai meus sais...

Pois bem. De Johnny Alf, esse ícone da nossa MPB, Leila Maria gravou Ilusão à-toa, um dos hinos gays da Bossa-Nova, - o outro hino gay é Eu e a brisa, também de Alf -, música que embalou os romances velados de várias gerações de homossexuais do Brasil. A letra é uma declaração de amor não correspondido para alguém que desconhece ser alvo daquele amor. Veja só o que dizem os versos:

Eu acho graça do meu pensamento / a conduzir o nosso amor discreto / sim, amor discreto pra uma só pessoa / pois nem de leve sabes que eu te quero / e me apraz essa ilusão à-toa.

Lendo tão singela declaração de amor eu me ponho a imaginar para qual bofe Alf fez essa música: Tom? Bôscoli? Menescal? Marcos Valle? Nessa faixa, que tem um arranjo que nos remete a um film-noir, a um clima de boate com luz negra e uma femme-fatale surgindo das sombras, Leila Maria tem o refinado atrevimento de brincar de Gal Costa.

De Chico Buarque, um especialista em desnudar a alma feminina, Leila Maria gravou Mar e Lua, cuja letra narra com requintes de sensualidade a paixão entre duas mulheres. Um barato. Em Mapa-Múndi, dos irmãos gays Marina e Antonio Cícero, a cantora e os músicos arrasam na harmonia entre voz, arranjos e suingue. O jazz brota com força nessa faixa cuja letra revela momento de grande inspiração do poeta Cícero.

Leila Maria também consegue ótimos resultados quando homenageia famosos artistas gays como George Michael em Kissing a Fool, k. d. lang em Sexuality e Cole Porter em All of you. O mesmo acontecendo com músicas de sucessos como Um certo alguém, de Lulu Santos e Ronaldo Bastos, Seu tipo, de Dusek e Góes e Gatas Extraordinárias, que Caetano compôs para Cássia Eller. Lush Life, de Billy Strayhorn e Se você voltar, de Ângela Ro Ro e Antonio Adolfo também permitem belas performances da cantora.

E, num momento de pura ousadia, sem medo de ser censurada, Leila Maria abre o disco cantando uma música do rei Roberto Carlos, com seu amigo tremendão Erasmo Carlos. Uma música gay do Roberto Carlos? Pois é. O público GLS espera que ele não mande recolher o disco só por que ela gravou Você vai ser o meu escândalo, música originalmente gravada por Wanderléa, cantora que é um ícone gay desde que surgiu de botinha e minissaia cantando na Jovem Guarda.

No encarte, ao falar do repertório, o mentor do disco Antonio Carlos Miguel escreve: “Grandes canções que, na voz de Leila Maria, uma das maiores cantoras brasileiras, e nas mãos dos músicos escalados pelo produtor Dunga, ganham elegantes roupagens de pop, jazz e sons eletrônicos. E, independente do tema, esse trambém é um disco para apaixonados pela grande música”.







There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he

And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"

"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"

(Nature Boy)







Eu acho engraçado quando um certo alguém
se aproxima de mim
trazendo exuberância que me extasia;
meus olhos sentem, minhas mãos transpiram,
é um amor que eu guardo há muito dentro em mim
e é a voz do coração que canta assim:


- Olha, somente um dia longe dos teus olhos,
trouxe a saudade do amor tão perto
e o mundo inteiro fez-se tão tristonho
Mas, embora agora eu te tenha perto
eu acho graça do meu pensamento
a conduzir o nosso amor discreto
sim, amor discreto pra uma só pessoa
pois nem de leve sabes que eu te quero
e me apraz essa ilusão à toa

(Ilusão à-toa)







Meu amor, não pode ser
Não podemos mais fingir
Até quando vamos ter
Que esconder o nosso amor
Eu não posso mais conter
A vontade de dizer
Não consigo disfarçar
Meu amor por você
Meu bem, procure compreender
Que nada importa pra nós dois
Nem se o mundo não nos aceitar depois
Quantas vezes consegui abafar minha voz
Qualquer dia eu vou gritar o que existe entre nós dois

Saiba que você, meu bem
Meu escândalo vai ser
Quando o mundo inteiro então
Nosso amor conhecer
Meu bem, não dá pra enganar
Pois tudo está no nosso olhar
O escândalo vai ser
Quando o mundo conhecer o nosso amor

(Você vai ser o meu escandalo)

Madonna vem aí...

 

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