15.11.08

O DILEMA DE JACIRA – Minha empregada mora no Cantagalo, onde essa semana houve um intenso tiroteio entre policiais e bandidos que agitou a crônica policial carioca. Mortes, explosões de granadas, feridos, correrias. As imagens exibidas na TV eram impressionantes. Cenas de uma autêntica guerra civil. Mas as autoridades brasileiras acham tudo isso perfeitamente natural. Sergio Cabral, o governador do Estado, a maior autoridade em Segurança Pública diz que está tudo sob controle. E assim caminha a humanidade.

Quando Jacira chegou para arrumar meu apartamento, coisa que faz com muita competência, perguntei como ela havia conseguido sobreviver a toda àquela confusão. Jacira sorriu e me disse que tinha ficado trancada dentro de casa, deitada no chão, agarrada aos filhos. “Uma bomba explodiu do lado da minha casa. Pensei que o morro ia desabar de uma vez”, contava ela com seu sorriso que escondia certa amargura. Enquanto tirava o pó, limpava o assoalho e colocava ordem na casa ela me contava sua vida na favela.

“Já faz um tempo que a gente percebia que chegava material de construção para as obras do Pac e, em vez de ver as obras do governo, a gente só via crescer as mansões dos traficantes”, comentava ela, reafirmando a versão da polícia de que estava havendo desvio do material de construção nas obras promovidas pelo governo. “E a policia? Não existe um posto policial lá em cima?”, perguntei, confiando na afirmação do Governador Sergio Cabral de que havia um posto policial no alto do morro. A mulher deu um muxoxo. “Os policiais só querem saber de dinheiro”, disse. E então contou que outro dia estava com a sua mangueira, aguando as plantas que tem no quintal, e ouviu a conversa de três policiais do tal posto, com dois traficantes armados. Os policiais estavam pedindo mais dinheiro aos bandidos. “Cem reais pra cada um é muito pouco. A gente quer no mínimo duzentos para não perturbar o movimento de vocês”, dizia o policial militar ao traficante armado. Sem se preocupar que a pobre da Jacira estivesse ouvindo sua conversa sórdida. “Com uma polícia dessas isso nunca vai acabar”, concluiu a mulher, decepcionada.

O nível de corrupção da polícia carioca não tem limite. Semana passada o Governador Sérgio Cabral jogou futebol na praia de Copacabana, na partida preliminar que houve antes da final do campeonato carioca de futebol de praia entre o Copaleme e o São Clemente. Pois bem. Enquanto o governador driblava o time adversário, jogadores contavam que ladrões da favela do Leme pagavam cinqüenta reais aos policiais do posto que fica ao lado do Copacabana Palace, para eles deixarem os bandidos assaltar os turistas do pedaço. Agora durma-se com um barulho desses!

Lavando a minha louça, com a expressão cansada de quem vive numa área de guerra, Jacira divagava sobre sua convivência com os bandidos. “Já vai trabalhar, tia?”, eles costumam perguntar, quando a vêem saindo de casa. Jacira diz que já está acostumada a encontrar os jovens traficantes circulando abertamente com fuzis pelos becos da favela. "Eles não mexem com a gente não". Quando comentou as imagens exibidas no noticiário da TV, Jacira revelou que as pessoas que ficavam xingando os tiras que invadiram a favela no dia do tiroteio eram parentes dos traficantes mortos. Gente que dependia financeiramente do negócio sórdido.

"Os que morreram eram uns rapazes bem bonitinhos", dizia ela pra me instigar. Às gargalhadas, contou que, naquele mesmo dia, depois que a polícia já tinha ido embora, teve a maior confusão na casa de um dos traficantes. Um bate-boca medonho entre a viúva e a mãe do falecido. As duas mulheres disputando um grande lote de jóias roubadas que a polícia não conseguiu recuperar. “A favela inteira ouviu os gritos das duas. Uma xingando a outra pra ficar com as jóias.”

É a cidade nua.

Madonna vem aí...

 

Postagens mais vistas