17.8.09

ETERNAMENTE DUSE - Os amigos da atriz Duse Nacarati estão organizando uma homenagem a atriz, que morreu recentemente. Vai ser no próximo dia 27 de Agosto, Quinta-feira, às 19 horas, na Rua Paissandú, 313, no Flamengo. Ali é a sede da SRF - Self Realization Fellowship, uma organização fundada em 1920 pelo iogue e guru indiano Paramahansa Yogananda. Ele é considerado um dos maiores emissários da antiga filosofia da Índia para o ocidente. Através da SRF - Self Realization Fellowship, organização que fundou logo ao chegar à América, foi pioneiro ao promover a prática da meditação por meio de lições estudadas nos lares, o que permitiu realizar sua missão mundial de difusão das técnicas de Yoga. Duse Nacarati era seguidora dos princípios de Yogananda.

Cultuada por artistas e intelectuais, Duse foi recentemente homenageada em textos de importantes escritores. Miguel Falabella, seu grande amigo, escreveu Batom Grená, texto emocionado que foi publicado na revista Isto É. Já a escritora portuguesa Margarida Rebelo Pinto publicou texto em seu blog. Ambos os textos são reproduzidos a seguir.


BATOM GRENÁ - Os apresentadores da televisão argentina avisaram que aquele seria o dia mais frio do ano e estavam certos. Ainda que a manhã portenha apresentasse um sol cheio de timidez e o céu, um traje de azul muito claro, como o véu de uma menina a caminho de sua comunhão, o frio cobrava seu preço e os termômetros despencaram para dois graus negativos. Na esquina da Santa Fé com Callao, onde fui à cata de chuteiras para meus sobrinhos, a aglomeração humana produzia ondas de uma fumaça branca que eram os pensamentos de toda aquela gente em estado gasoso, eu pensei - e ainda imaginei a intricada sopa de emoções que subia aos céus, quando o telefone tocou no bolso do casaco.
- Você já soube? - a voz era conhecida.
- A Soberana fez a passagem.

Soberana era como eu chamava Duse Naccarati, desde os tempos em que morávamos na Travessa Pepe, num pequeno prédio, onde durante alguns anos imperou a comédia. Não era uma atriz conhecida do grande público e os críticos quase sempre lhe torciam o nariz, mas não importava. Era amada e respeitada por uma geração de comediantes que conseguiam ver nela aquilo que nem todos eram capazes de enxergar. Duse era uma inspiração e agora mesmo, enquanto escrevo essa crônica, vejo seus lábios, sempre pintados de batom grená (ela dizia gre-nahhh, separando as sílabas e mostrando a fileira de dentes brancos), chamando por mim, na pequena área cimentada do apartamento térreo de Botafogo, onde ela cultivava roseiras que teimavam em prender-se nos seus xales, seus panos e suas bijuterias, porque ela era sempre uma festa para os sentidos.
- Hoje essa roseira está impossível, Príncipe! - ela me chamava assim e eu tenho tantas saudades de ouvir o seu chamado, meu Deus! Tanta vontade de mandar o tempo voltar e recuperar aquilo que se foi na enxurrada e que ainda hoje repousa naquele quadrado de cimento perdido na tarde de Botafogo, eu penso.O termo tiete, hoje verbete do mestre Aurélio, foi criado por ela, que roubou o nome de uma colega de funcionalismo público. Tiete, segundo Duse, era aquela que entrava numa sala, via alguém comendo um sanduíche e, antes que a pessoa tivesse a oportunidade de lhe oferecer um pedaço, já ia exclamando: Não! Muito obrigado! Bom apetite! Assim, qualquer pessoa que tentava se enxertar numa situação era imediatamente catalogada por ela, de maneira fulminante: - é uma tiete! Mais tarde Gilberto Gil popularizou o termo numa canção e o Brasil inteiro passou a usá-lo.

A Soberana fez a passagem. Saí da loja, atarantado, com o peito arrebentando de dor e fui caminhando, enquanto o frio intenso secava as lágrimas antes que terminassem seu percurso. Nunca mais o seu chamado, nunca mais aquelas reuniões de gente engraçada, inteligente e divertida que definitivamente entendiam a rapidez da passagem e que mudaram a minha vida.Adeus, minha querida Duse. Obrigado pelo aprendizado. Tenho tentado passá-lo adiante, pois você me ensinou muito sobre a generosidade. Beije Mauro Rasi e Vicente Pereira por mim, diga que sinto saudades de cada um dos nossos momentos e saiba que eu continuo aqui, com a dor de uma criança que foi deixada para trás. (Miguel Falabella)




SIMPLESMENTE DUSE - Eu me lembro da Duse como um colar feito de pedras exóticas, repleto de brilhos e de cores, de tons e de cambiantes, como ela era. Recordo o seu passo curto e nem sempre orientado, os abraços longos e os beijos lânguidos, aquelas mãos pousadas nas nossas caras como conchas para nos protegerem do bem, do mal e de tudo.Tudo nela era único e intransmissível, embora fácil de imitar; a voz rouca, o barulho das pulseiras, o desalinho dos cabelos. Mas o olhar… o olhar era mesmo só dela, e era comovente a forma como varria a nossa alma quando nos olhava por dentro, sempre cheio de ternura e de tantas coisas boas, muitas delas indizíveis… Lembro a boca tão perfeita e a pele já gasta, lembro do seu apartamento caótico e suas narrativas mirabolantes, sem tempo nem época. O que lhe sobrava em identidade não se encontrava na idade, porque a Duse era mais jovem do que todos nós juntos. Ela nos viu crescer, e seguiu todos de tão perto que acabou não crescendo ela. O seu coração era ainda o de uma menininha endiabrada, daquelas que faz tudo o que quer, sem medo nem remorso, sem maldade, mas com malícia… Querida Duse, do lado de cá do Atlântico, eu te abraço longamente, eu te dou mil beijos, eu te prometo que vou lembrar sempre o seu coração de menina, para nunca deixar de o ser. Bem, hajas, onde quer que estejas. Todos te amamos muito. E tu sabes, tu sabes melhor que ninguém. (Margarida Rebelo Pinto)

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