22.8.09

SERENO – Um personagem se tornou famoso na última temporada de sol escaldante na Praia de Itamaracá. Um rapaz bem jovem, com ar de adolescente, que atendia pelo singelo nome de Sereno. Ele dizia ter 21 anos, mas a expressão do seu rosto demonstrava bem menos. “Não minta, Sereno, você deve ter no máximo 16 anos”, lhe disse certa vez Marilene, dona da barraca de praia do pontal, onde a gente se reunia no fim de tarde para ver o pôr-do-sol. Sereno era um andarilho, um forasteiro, que logo chamou a atenção de todos. Afinal, ali é uma ilha e qualquer forasteiro é logo notado pelos nativos. E Sereno chamava atenção, com seu figurino desleixado e seu ar de hippie perdido no tempo. Dormia nos barcos largados na praia, ou sob a sombra dos coqueiros que abundavam por ali. Para ele tudo estava bom. Tudo estava bem. Nos fins de tarde, quando a maré baixa e a faixa de areia fica enorme e compacta, aquele amplo espaço é logo transformado em campos de futebol. Então Sereno jogava bola com os rapazes da ilha. E não fazia feio com suas jogadas inteligentes e seu domínio da bola. Mas o que chamava atenção dos outros jogadores era seu jeito de garoto bem nascido. Sua educação, seu porte, sua elegância.

Sereno não era de muita conversa e isso só fazia aumentar o mistério a seu respeito. Não era de muito papo e se fechava quando alguém demonstrava interesse por sua vida pessoal. “Eu ainda vou descobrir do que é que você foge”, lhe disse noutra ocasião Marilene, intrigada com a figura misteriosa do rapaz. Sereno apenas lhe deu um sorriso tímido e se fechou em si mesmo.

Um belo dia, num final de tarde, depois de beber algumas cervejas na barraca de Marilene, Sereno se pôs a admirar o final da tarde. O sol se preparava para se esconder no horizonte quando Marilene, sempre curiosa, mais uma vez instigou o rapaz. “Qual é o seu mistério, Sereno? Por que você veio se esconder aqui em Itamaracá?” Dessa vez Sereno esqueceu a timidez, abandonou o ar de mistério, encheu mais um copo de cerveja e começou a falar de sua vida.

Sereno contou que o seu pai era um rico comerciante do sul do país e que sua mãe havia morrido quando ele era menino. Quando Sereno tinha oito anos seu pai casou novamente com uma namorada que tinha acabado de conhecer. Ao ver a namorada do pai pela primeira vez, o garoto de oito anos se apaixonou perdidamente pela mulher. “Ela é uma mulher muito bonita!” Cada dia que passava o garoto Sereno se apaixonava mais e mais pela madrasta, que o tratava como um filho. Quando ele foi deixando de ser menino e começou a se transformar num homem decidiu fugir de casa. “Eu precisava fugir dela. Minha madrasta é bonita demais.” E quando ele falou da beleza de sua madrasta que o tratava como um filho seus olhos ficaram cheios de lágrimas que refletiam os raios dourados do sol que se preparava para se pôr. E nesse momento, mais do que nunca, a feição do seu rosto ficou parecida com o seu nome de batismo.

Naquela mesma noite Sereno desapareceu da Ilha de Itamaracá. Nos dias que se seguiram todo mundo se perguntava que fim levou Sereno. Para onde ele foi? O que houve com o rapaz bonito que vivia largado pelas praias da Ilha? Sereno acabou virando o assunto da cidade. Assunto da conversa dos pescadores em suas jangadas. Dos boêmios nos botequins. Dos cirandeiros na roda de Lia de Itamaracá. Da garotada que se divertia na Lan House da Praça do Pilar. Todos queriam saber noticias de Sereno, mas ninguém sabia dizer o que tinha acontecido com ele. Certamente o bonito rapaz, cujo semblante traduzia a poesia do seu nome, continuou fugindo da madrasta bonita que o tratava como filho.


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