6.9.10

Júlia e Malu nos bastidores do Teatro Maison de France, onde está em cartaz a peça O Deus da carnificina. "Vocês já foram irmãs numa novela", disse eu, quando fiz essa foto, me referindo a novela Eu Prometo, a última de Janete Clair. "Somos irmãs até hoje", respondeu Malu, com esse sorriso lindo que a câmera captou.




TEATRO QUASE SEMPRE – Num dado momento da peça O Deus da carnificina, de Yasmina Reza, a atriz Júlia Lemmertz começa a vomitar no palco. Usando de um artifício qualquer, que a platéia não percebe, ela vomita em cima de um livro de arte. Um catálogo de uma exposição antiga, que pertence a Verônica, personagem da atriz Débora Evelyn, que dá um piti quando vê o que está acontecendo. A mulher fica indignada com o fato, afinal é um livro raro, um dos seus favoritos, na verdade. Até que o marido dela a lembra que a outra está passando mal.


É uma cena de tensão e densidade dramática que provoca desconforto e risos da platéia. Mas a tensão e a densidade dramática estão presentes desde o primeiro diálogo da peça, onde os personagens, pessoas aparentemente cultas e civilizadas, acabam mostrando seu lado primitivo e selvagem, quando se vêem diante de uma situação-limite.


A peça mostra o encontro de dois casais, depois que o filho de um, agrediu o filho do outro com um pedaço de pau, quebrando dois dentes. Foi uma briga de crianças que freqüentam a mesma turma, onde uma acabou machucando a outra. Os pais do menino que apanhou querem que o agressor peça desculpas, pois, como são civilizados, acreditam que isso vai amenizar os traumas da criança. A reunião de pais que se acham civilizados, vai, aos poucos, saindo do controle. Começa com trocas de farpas, insinuações, ironias e maledicências. Depois vai num crescendo até chegar a gritos, ameças, agressões... E toda uma série de baixarias difíceis de classificar.


Sabe essas pessoas que são politicamente corretas, não admitem nenhum tipo de racismo, mas quando se irritam com um negro o chamam de macaco? Sabe essas pessoas que se acham civilizadas, usam no carro adesivos contra a homofobia, mas quando discutem com o vizinho gay o chamam de veado? A peça é sobre isso! Um texto com uma excelente dramaturgia, cheio de boas sacadas sobre o monstro selvagem que existe atrás de cada um de nós, burgueses que se pretendem civilizados.


O Deus da carnificina é uma experiência teatral valiosa. É um drama muito barra pesada, mas que nos faz rir e pensar. São quatro atores magníficos que tornam a encenação um grande prazer para quem gosta de teatro. Débora Evelyn, Júlia Lemmertz, Orã Figueredo e Paulo Betti, dirigidos por Emílio de Mello, fazem uma festa com o texto de Yasmina Reza. Cada inflexão, cada gesto, cada movimento em cena, cada olhar, é uma celebração à magia do teatro.


Depois do espetáculo, quando o elenco estava recebendo os cumprimentos de amigos e convidados, Paulo Betti contou que eles ainda estão aprendendo a fazer o espetáculo. “O peça de hoje foi muito diferente da de ontem. O público ri nas cenas de maior densidade dramática. A gente está precisando fazer algumas pausas entre os diálogos pra dar tempo das pessoas rirem”, disse ele para Antônio Fagundes. Malu Mader, que aplaudiu a peça com entusiasmo, foi super carinhosa com a Júlia Lemmertz. Olhou bem nos olhos da colega e falou: “Você é incrível, sabia? Você é muito incrível”. Júlia, por sua vez, estava emocionada por estar atuando no teatro onde, na infância, viu sua mãe, Liliam Lemmertz, atuar em Quem tem medo de Virginia Wolf?

Saí do teatro sem conseguir parar de pensar no drama que havia assistido. É impossível não comparar a situação vivida por aqueles personagens, com a nossa vida cotidiana. Fiquei pensando em quais momentos da minha vida de homem civilizado eu havia perdido o controle sobre essa vontade burguesa de ser digno e superior. Aqui mesmo, nesse blog. Quantas vezes já arrasei tantas pessoas. Quantas vezes fui maledicente e cruel com quem, de alguma forma, havia me atingido. Será que, como os casais da peça, eu não perdi o controle por uma coisa pequena? E na vida, como já disse Clarice Lispector, tudo são coisas pequenas...


Sobre isso Yasmina Reza, a autora da peça, escreveu:



Não acredito que o ser humano seja pacífico. Penso que ele não evoluiu desde a Idade da Pedra e que o verniz social que nos protege da selvageria é inquietantemente suave e sempre a ponto de estourar. Eu escrevo um teatro de tensão, porque as tensões nos governam. Meus personagens são pessoas educadas que pretendem manter a compostura. Mas como são também impulsivos, não conseguem manter as regras que impuseram a si mesmos. É precisamente essa luta contra si mesmo que me interessa. Minhas obras sempre foram consideradas comédias, mas penso que são tragédias divertidas. Mas tragédias, ao fim...


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