23.10.10

Não há poder maior do que a liberdade de cair fora.


Há fases em que os sonhos
não se convertem em planos
nem as intuições em conhecimentos
nem a nostalgia nos incita
a nos movimentarmos.
Esses são maus tempos
para a arte.



(Bertold Brecht)


TEATRO QUASE SEMPRE – Uma peça com três horas e meia de duração! Pode até parecer assustador para o público. Mas o que a Companhia do Latão oferece com sua peça Ópera dos Vivos são três horas e meia de puro deleite para o espectador. Um teatro com criativos recursos visuais, texto inteligente, direção segura e um elenco equilibrado com atores de talento. Ópera dos Vivos é um espetáculo divertido e inteligente sobre a produção cultural no Brasil durante o governo militar.


A peça é dividida em quatro atos. No primeiro ato o elenco encena um espetáculo sobre lavradores nordestinos, inspirado nos conceitos das Ligas Camponesas que organizavam os camponeses em torno da luta pela Reforma Agrária, no sertão pernambucano, até a Revolução de 1964, tendo o comunista Francisco Julião como líder. A peça é uma espécie de Morte e Vida Severina revisitada, com intervenções irônicas e um humor saboroso.


O segundo ato é um filme. Desce um telão no palco onde é exibido um filme em preto e branco, no estilo dos filemes do Cinema Novo. Com esse filme a Companhia do Latão praticamente recria Terra em Transe, o mais importante filme de Glauber Rocha. Na versão do grupo teatral o filme, numa linguagem cheia de metáforas, mostra guerrilheiros assaltando bancos, um cineasta maldito tentando convencer um banqueiro a produzir seu filme, uma dama da alta sociedade tentando a carreira de atriz... A fotografia é belíssima e o elenco mostra que também é afiado diante de uma câmera.


O terceiro ato é um grande musical e conta a história de uma grande diva da MPB que volta aos palcos depois de ter passado uma temporada em estado de coma num hospital. Existe muita expectativa diante da volta da cantora, já que ela sempre foi uma revolucionária e fazia críticas a ditadura. Nos bastidores o marido/empresário pede que a artista apenas cante e não faça declarações, já que não existe clima no Brasil para críticas ao governo e ao sistema. Na platéia ocorre uma discussão entre uma revolucionária que deseja a liberdade de expressão e um reacionário que ameaça agredir os músicos e artistas como ocorreu em Roda Viva. É uma encenação tensa e muito bem realizada na sua proposta de retratar os conflitos da produção cultural brasileira nos anos 70, com muita censura e repressão.


No quarto ato a peça dá um salto no tempo e a trama acontece nos dias atuais. Agora os personagens estão num estúdio de uma grande rede de televisão gravando o último capítulo de uma novela de sucesso. É uma cena em que, depois de uma discussão com a mocinha, um dos protagonistas se revela o vilão e dá um tiro na cabeça. Mas, na hora da gravação, o ator tem uma crise e se recusa a gravar a cena alegando que seu personagem não deve morrer. A partir dessa situação a peça leva as últimas conseqüências o principal tema discutido durante todo o espetáculo: o conflito do artista que se vê obrigado a submeter sua arte ao sistema.


Ópera dos Vivos é um grande espetáculo.

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