22.5.03




PROFISSÃO: RECORTER Meu grande mito no jornalismo sempre foi Paulo Francis. Na época em que ele era vivo eu aguardava ansiosamente os dias em que o jornal publicava sua coluna, Diário da Corte. Lia com um fervor quase religioso suas observações sobre a vida, a política, a arte e a cultura. As coisas que ele escrevia, suas opiniões, suas citações, me marcaram muito. Francis foi um cara que me deu informações, que me transmitiu cultura, e me mostrou caminhos. Por isso eu sempre guardarei respeito e reverência ao seu nome como um exemplo de jornalista.


No seu Diário da Corte, vez por outra, o saudoso Francis reclamava de alguns colegas, profissionais de imprensa. De vez em quando ele dizia que as redações dos jornais viviam cheias de recórteres. Recórter é uma palavra que ele inventou para apelidar um certo tipo de repórter, que segundo ele, estava proliferando nas redações dos jornais. Recórter é aquele cara que fica sentado no ar refrigerado das redações e não vai atrás da noticia. É o sujeito que copia material de publicações estrangeiras e os utiliza como sendo seus. Recorter é o jornalista que só faz entrevistas por telefone e não checa, com segurança, a veracidade de suas informações.


Na época do Diário da Corte ainda não havia ocorrido o boom da Internet. Os blogs, então, ainda estavam para nascer. A recortagem era feita através de publicações impressas. Portanto, se Paulo Francis, na sua época, já detectava a existência dos recórteres, se ele fosse vivo hoje ficaria chocado ao constatar que esse tipo de jornalismo continua uma constante nas modernas redações, onde ser recorter é algo não só aceito como até estimulado pelo modus operandi da imprensa do novo século.


A internet foi uma bênção na vida de um recórter. Agora, mais do que nunca, o recórter tem o mundo dentro da refrigerada redação e ele não precisa, de forma alguma, suar a camisa pelo mundo afora em busca de noticias e idéias para o seu jornal. Se o recórter já não gostava de fazer isso nos velhos tempos, imagine agora com os modernos recursos da tecnologia de informática. A popularização e a modernidade da Internet, por si só, já foi uma bênção para os adeptos da recortagem. Mesmo assim, os chamados recórteres ainda iriam receber da maravilhosa rede um presente muito maior e muito mais útil à pratica da recortagem: OS BLOGS.


Para o moderno recorter, o verdadeiro profissional da recortagem do século 21, o blog é como algo que já fizesse parte do seu próprio cérebro. Se o recorter já não gostava de pensar, refletir, ter idéias, agora é que ele não precisa mesmo se preocupar com isso. Quando o jornal em que trabalha lhe requisitar que pense, reflita e tenha idéias, o recorter simplesmente senta na frente do computador e mergulha no mundo dos blogs. Lá ele vai encontrar tudo o que necessita para o seu trabalho. Um inesgotável mundo de idéias, conceitos, estilos, pensamentos e reflexões estão ali na rede, à sua disposição.



Quem tem o hábito de navegar na Internet e costuma frequentar os blogs disponíveis na rede consegue perceber, ao ler as principais publicações brasileiras, quais os blogs favoritos dos recórteres da mídia nacional.


Toda essa consideração à respeito da profissão recorter me veio à mente a partir das sucessivas matérias publicadas no Brasil à respeito do jornalista Jayson Blair, do New York Times, que foi afastado da redação do jornal depois que descobriram diversas falcatruas em reportagens assinadas por ele. O sujeito usava material de outros jornalistas, inventava fontes, forjava informações. Ou seja, Jayson Blair era um autêntico recorter. Paulo Francis não teria a menor dúvida em assim classificá-lo.


O que me diverte e me choca nesse caso é o cinismo da nossa imprensa, ao tratar do assunto. As publicações tupiniquins tratam o caso com uma certa indignação. Como se estivesse diante do maior dos absurdos quando, na verdade, boa parte da imprensa moderna é feita dessa forma. Basta um leitor mais atento observar com um pouco de atenção algumas das melhores publicações brasileiras e vai perceber que a profissão recorter é, praticamente, uma instituição nas nossas redações. E se Paulo Francis já registrava a onipresença desse tipo de profissional na sua época, imagina-se como deve ser hoje em dia. . Waaaal...

Madonna vem aí...

 

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