22.11.05

O POETA ILUMINADO - Cada vez que leio os poemas de Eucanãa Ferraz descubro novos significados nas palavras, nas rimas e nas intenções. Gosto de ler seus poemas em voz alta, ouvindo o som das palavras.




CONTO
para Eugénio de Andrade

Ainda não era menino
ou menina.
Tudo o que sabia
era o nome das cores.
Tudo o que sentia era
sede e fome.
Mas houve o verão em que
os barcos não regressaram. Foi quando,
apontando a linha do horizonte, a mãe
disse ao seu ouvido:
- és um homem.






MORTE NO MAR
a T. S. Elliot

Lembro do rapaz que vi morrer na praia.
Os olhos abertos
- uma luz tão fria -
conchas espantadas que eram.
As mãos nada diziam de
anêmonas e navios.
Eu era um menino e
o azul verde da água.
Alto e belo, o afogado,
um capitão.






SÃO SEBASTIÃO

Assim: como se,
sob o peixe, um brasido.
Ou: seda
em pleno fogo.
Como se brotassem de
seu peito e coxas
as flexas que
lhe comem a carne.
Arde, como um homem arde
(carne em jejum),
como um bicho morre.
Pede - e Deus lhe beija a boca.






MAR MÍNIMO

Grandes são os marinheiros e os poetas
que fazem caber em seus versos
a glória de horizontes
inventados ou vividos e que,
em grandíloquo e corrente estilo,
erguem cidades magníficas,
domam línguas, contam-nos pélagos e obeliscos.
Mas que fazer da escama
que sobrasse após os mares,
agarrada à roupa mais que
Veneza ou Viena à memória?
Escutai: é nessa minúscula opalina
que muitos sabem o poema
- mais duas ou três palavras
e o martelo certo de fazê-lo.
Rotas magníficas, não mais,
nem quantas as maravilhas
(e cessem com elas os iluminados que contam
de terras por si mesmas lavradias).
O mar pode ser isto: o ar
dentro da concha. Dentro:
o sargaço, o barco, o sargo,
a enseada. Onde poderá ser mais belo
e largo? A onda bravia
sobre um grão de mostarda.


Madonna vem aí...

 

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