15.4.11


O que é acaso em relação aos homens é desígnio em relação a Deus.


MEMÓRIAS DE UM VAMPIRO – Foi trabalhando na novela VAMP que conheci o Tiago Santiago e logo ficamos amigos. Ele é um sujeito super tranqüilo e fácil de lidar. VAMP foi sua primeira novela, mas ele sempre deixou bem claro que queria ser um autor de suas próprias tramas. Queria ser um novelista de sucesso. Ao contrário de Vinicius Vianna, outro escritor que também fazia parte da equipe de Antonio Calmon. Vinicius nunca quis ser “autor de novelas” e sempre preferiu ser “colaborador”. Ele gosta de escrever livros. São dele os romances Dedé Mamata e A vida sexual de Luiz Ensinada. Apesar de sentir à vontade no meio da TV e escrever muito bem cenas e roteiros Vinícius Vianna nutre certo desprezo pela telenovela. Ele acha aquilo tudo uma coisa menor, uma indústria que existe apenas para se ganhar dinheiro. O que o realiza como escritor é escrever romances. Seu livro Essa ave estranha e escura é uma obra-prima da literatura brasileira.

A gente se divertiu muito trabalhando com Antonio Calmon. Ele adorava sua equipe e nos tratava com muito carinho. A gente ria muito nas reuniões de trabalho, quando ele nos apresentava suas idéias para os próximos capítulos e pedia sugestões para as tramas e os personagens. O escritório dele, na Rua Gomes Carneiro, era uma verdadeira usina de idéias e loucuras. A gente lia muitos livros, via filmes bacanas, ouvia muita música pop e trabalhava pra caramba. Havia também o diretor Jorge Fernando, que foi um dos grandes responsáveis pelo humor e pelo deboche da novela. Muitas vezes, quando o texto ficava um pouco mais sério, Jorge sempre dava um jeito de colocar um humor escrachado que aliviava o tom dramático.

A história da cantora vampira que tenta se livrar de sua maldição numa cidade do interior era recheada de humor com pitadas de terror. E vice-versa. Havia esse elemento tradicional das histórias de vampiro de que quando alguém era mordido também virava vampiro. Tudo isso era narrado com muito humor e deboche na novela. Teve um momoento em que os personagens precisavam fazer transfusões de sangue e aquilo que poderia parecer mórbido era mostrado com ironia e refinamento. Mas, paralelo a novela, havia a vida real. E quando a novela estreou, em 1991, ainda existia aquela paranóia da AIDS. Muitas pessoas estavam doentes ou estavam morrendo. O mundo ainda vivia sobre a fase do terror da AIDS e a novela parecia uma alegoria sobre a epidemia. Os personagens se contaminavam não através do contato sexual, mas através de mordidas no pescoço.

Logo no início da novela a equipe recebeu um golpe doloroso com a morte do diretor de teatro Carlos Wilson, conhecido como Damião. Foi graças a ele que eu entrei para a novela. Damião era um gênio do teatro infanto-juvenil. Tinha formado nas suas aulas no Teatro Tablado dezenas de atores jovens que a Globo sempre contratava: Malu Mader, Eduardo Moscovis, Selton Mello, Felipe Camargo, Marcos Palmeira, Leonardo Brício, só para citar alguns. E quando a sinopse de VAMP foi aprovada Antonio Calmon pediu a Globo que o contratasse, pois queria que ele fosse o produtor do elenco jovem. Foi ele quem trouxe para a novela Juliana Martins, Bel Kutner, Rodrigo Pena e André Gonçalves. Mas ele já estava com a saúde debilitada e morreu logo no início da novela e a gente sofreu muito com isso, pois ele era um sujeito maravilhoso e nós gostávamos muito dele.

Foi uma época difícil. A AIDS era um fantasma na vida das pessoas. Cazuza tinha morrido no ano anterior. Antes dele havia morrido Daniel Más, que também era novelista, um jornalista maravilhoso e nosso amigo. O dramaturgo Vicente Pereira, que na juventude havia sido namorado do Calmon, estava doente. E todo o tempo a gente ficava sabendo de alguém que estava com sintomas da doença. E no meio desse mundo de terror a gente estava fazendo uma novela que divertia as pessoas com seus personagens que viviam sendo contaminados com mordidas de vampiros. Ás vezes nem a gente entendia toda aquela loucura. Os personagens choravam lágrimas de sangue, sempre havia pescoços sangrando. Uma loucura. Mas, apesar da dor de um lado, havia um êxtase do outro. A gente formava uma turma unida que se divertia muito fazendo seu trabalho. E eu acho que esse astral bacana passava para o público. Daí o sucesso da novela.

Certa vez Mauro Rasi me disse que uma peça de teatro só faz sucesso com o público quando ela é um sucesso no camarim, nos bastidores. Acho que isso exemplifica o que aconteceu com VAMP. A novela era um sucesso entre nós muito antes da estréia. Talvez por isso tenha feito tanto sucesso com o público.

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