23.11.09

O maior de todos os mistérios é o homem.


GUINADA NA VIDA - Pesquisando na Internet, encontrei por acaso um texto que eu havia escrito em Julho de 2005 para o Caderno B. Na época o suplemento de Cultura do jornal era editado pelo Ziraldo, que imprimiu uma página de resenhas diárias de livros. Eu era um dos jornalistas encarregados de ler os lançamentos literários e escrever críticas e resenhas para o Jornal. Foi uma época de grande satisfação profissional para mim, pois adoro literatura e gostava de escrever sobre livros e escritores. Além disso, o Ziraldo adorava minhas resenhas e sempre publicava meus textos em destaque. Bons tempos do JB. Eu tinha esquecido completamente esse texto sobre o livro Guinada na Vida, de um escritor fantástico, o italiano Andrea Camilleri. Foi engraçado ler a resenha depois de tanto tempo. Às vezes me passava a sensção de que aquilo não havia sido escrito por mim. Mas logo eu reconheci alguns truques do meu estilo e tive certeza que era um texto meu. Assim, decidi reporduzir o texto aqui no meu blog.





UM DETETIVE DE OLHAR HUMANISTA - O escritor Andrea Camilleri é um senhor italiano de 80 anos. Ele estreou na Literatura em 1978 mas só foi descoberto pelo grande público em 1990, quando lançou “A Forma da Água”, seu primeiro romance policial protagonizado pelo comissário de polícia Salvo Montalbano. Seu herói é um sujeito temperamental, astuto e cheio de princípios, vivendo num mundo de farta corrupção e degradação moral. Em “A Forma da Água” encantou os leitores com o jeito italiano de ser e conquistou admiradores em todo o mundo. Agora, uma nova aventura do comissário Montalbano está sendo lançada no Brasil, pela Editora Record: “Guinada na Vida”.



Quando a história começa Montalbano está prestes a pedir demissão. O motivo é sua indignação com a violência policial perpetrada nos protestos contra a globalização, durante uma reunião do G-8, o grupo que reúne os sete países mais ricos do mundo mais a Rússia. O comissário é um homem de esquerda, um humanista que acredita nos valores éticos e morais. Em “Guinada na Vida”, está num momento de crise existencial e encontra-se abatido devido à ditadura brutal do capitalismo, massacrando a sociedade com as garras afiadas da globalização.


Sendo um sujeito bom e idealista, Montalbano decide protelar o seu desligamento da polícia quando o cadáver de um homem baleado aparece boiando na praia. Imaginando tratar-se de um imigrante ilegal que vai ter o caso arquivado pelos burocratas de seu departamento, o herói solitário resolve investigar o crime e acaba puxando o mirabolante fio de um novelo que envolve um cruel e ardiloso esquema de contrabando de crianças.



Mais adiante, um menino é atropelado de propósito, ao fugir de seus algozes contrabandistas.
Ao interrogar um velho agricultor que presenciou o crime, o investigador pergunta se ele acha que o acidente foi proposital. O pobre agricultor responde que não tem certeza. E que a única certeza que tem na vida é que o mundo ficou muito mau.
“Guinada na Vida” é um romance policial que lança um olhar italiano sobre o salve-se quem puder das relações humanas no limiar do século XXI. Os livros de Andrea Camilleri trazem para a Literatura aquele sentimento humanista que havia nos filmes do neo-realismo italiano. Quem sente saudades do grande cinema italiano dos anos 70 precisa descobrir os livros de Camilleri. O autor transfere para os dias de hoje a vida, os personagens, as situações e os sentimentos encontrados nas imagens pungentes dos filmes de Vittorio de Sica, Roberto Rossellini e, principalmente, Dino Risi. Esta é a maior virtude da sua literatura: deixar-se contaminar pela melhor tradição da cultura popular italiana. Além disso, a narrativa exalta com propriedade o encanto dos vilarejos sicilianos, com sua beleza, sensualidade e mistério, descritos com muito
charme.



Enquanto sofre e se emociona com a trama bem urdida de “Guinada na Vida”, o leitor também
faz um saboroso passeio pela gastronomia italiana, já que o protagonista é um gourmet
apaixonado pelos temperos, molhos e massas da sua terra. Sendo assim, ler Andréa Camilleri é se indignar com os níveis de corrupção, chocar-se com os rumos da globalização e sofrer com a injustiça social. Mas, ao mesmo tempo, ler Camilleri também é se encantar com a vida por saber que, no meio disso tudo, ainda há a arte. E é pela arte que nasce a esperança, que faz com que o homem acredite que, escondido em algum lugar, ainda existe um mundo melhor.

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